sábado, 24 de agosto de 2019

ESTADO ASSASSINO: É PRECISO COMPOSTURA PARA MATAR


ESTADO ASSASSINO: É PRECISO COMPOSTURA PARA MATAR


By Walfrido Warde
___________________________________
Obs:. Este artigo foi publicado no Portal do IG, 22/08/2019, e RETIRADO doAR por determinação dos controladores do portal.
___________________________________

O Brasil assistiu nesta semana o trágico desfecho de um sequestro. O sequestrador foi morto e os reféns libertos. Ainda assim foi trágico, repito. O assassinato de um ser humano pelo Estado, mesmo que em defesa de vidas humanas inocentes, é a representação da derrota. É o fracasso de muitas políticas de Estado, em especial as de educação e de distribuição de renda. É o reconhecimento de que apenas uma solução grosseira é capaz de resolver uma crise aguda; uma crise causada, sobretudo, pela incompetência dos que não souberam prevenir a crise. Seja qual for a causa do crime, loucura, necessidade ou ganância, haverá sempre uma política pública capaz de aplacá-la, sem a necessidade de matar

O discurso sedutor, que no momento se escora sobre uma turba brutalizada, farta da violência que a vitimiza mais e mais, especialmente nas comunidades mais pobres, é aquele que promete matar. É a apologia do assassinato estatal como panaceia, como remédio para todos os males; um lança-chamas apontado inadvertidamente para os pobres, jovens e negros deste país. Sim, pobres, jovens e negros, como as estatísticas (as tão detraídas estatísticas) não permitem mentir.

Parte significativa da população, gente que devemos respeitar, gente trabalhadora e honesta, mas equivocada, acredita que esse frenesi de violência estatal é a única solução para a criminalidade. E, para prová-lo, os paladinos da violência estatal ostentam, orgulhosos, mais uma vez, as estatísticas (as tão detraídas estatísticas), uma diminuída mancha do crime.

Mas as granadas e as balas de metralhadora, ofertadas aleatoriamente dos helicópteros que fazem rasantes sobre as favelas, são e serão insuficientes para matar o exército de criminosos que a pobreza e sua patrona, a desídia dos governantes, produzem todos os dias no Brasil....

É ignóbil e indiscutivelmente errada a conclusão que aponta para uma diminuição estrutural da violência por meio da violência, que aposta no homicídio como política pública. Essa conclusão, uma vez aplicada, produzirá superbandidos, cada vez mais destemidos e cruéis, dispostos a morrer, porque a vida, banalizada pelo próprio Estado, perdeu todo o sentido.

A aposta no homicídio como política pública terá, de outro modo, um impacto devastador sobre os agentes de Estado, aos quais é dado matar, em especial ultimamente, por frouxas razões. Agentes aos quais são criadas justificativas subjetivas para massacrar a vida. Esses perderão por completo a empatia, a capacidade de compreender o próximo, a mediada que a humanidade deles se esvai, como o sangue dos seus alvos.

Nos momentos em que matar significa matar ou morrer. Nos momentos em que o Estado precisa matar, que a Lei autoriza que mate, e eles devem ser muito restritos, o assassinato exige sobriedade, compostura, respeito à vida, cujo valor transcendente nos iguala e irmana. Não há como respeitar a vida senão pelo respeito a todas as vidas, sem exceção.

O governador Witzel se equivocou, errou feio, não há interpretação que justifique o seu chilique, os seus espasmos de contentamento pela morte de um de seus administrados. Até para matar é preciso compostura. E a falta de compostura sempre faz prova da incapacidade de assumir grandes responsabilidades.

É preciso que compreendamos que a compostura e a sanidade são requisitos essenciais ao cumprimento das funções públicas. É preciso que aprendamos a escolher tendo a compostura e a sanidade como critérios primeiros. A aposta no desvario é combustível do desastre.

_________________________________
Walfrido Warde é autor do livro mais importante escrito no Brasil sobre combate à corrupção. 
"O Espetáculo da Corrupção" , com o subtítulo : 
"Como um sistema corrupto e o modo de combatê-lo estão destruindo o país"

terça-feira, 6 de agosto de 2019

QUEM VAI INVADIR O BRASIL PARA SALVAR A AMAZÔNIA?



QUEM VAI INVADIR O BRASIL PARA SALVAR A AMAZÔNIA?

Transamazônica (BR-230) próximo de   Medicilandia (PA), 13/03/2019 MAURO PIMENTEL/AFP/GETTY IMAGES

É só uma questão de tempo até que grandes potências tentem impedir a mudança climática por qualquer meio necessário.

STEPHEN M. WALT | 5 DE AGOSTO DE 2019.

5 de agosto de 2025: Em um discurso na televisão para a nação, o presidente dos EUA, Gavin Newsom, anunciou que havia dado ao Brasil um ultimato de uma semana para cessar as atividades destrutivas de desmatamento na floresta amazônica. Se o Brasil não cumprisse, avisou o presidente, ele ordenaria um bloqueio naval de portos e ataques aéreos brasileiros contra infraestruturas brasileiras críticas. A decisão do presidente veio no rescaldo de um novo relatório das Nações Unidas catalogando os efeitos globais catastróficos da contínua destruição da floresta tropical, que alertou para um "ponto crítico" que, se atingido, desencadearia uma rápida aceleração do aquecimento global. Embora a China tenha declarado que iria vetar qualquer resolução do Conselho de Segurança da ONU autorizando o uso da força contra o Brasil, o presidente disse que uma grande “coalizão de estados preocupados” estava preparada para apoiar a ação dos EUA. Ao mesmo tempo, Newsom disse que os Estados Unidos e outros países estão dispostos a negociar um pacote de compensação para mitigar os custos para o Brasil para proteger a floresta tropical, mas somente se ela cessar seus esforços atuais para acelerar o desenvolvimento.

O cenário acima é obviamente exagerado - pelo menos eu acho que é - mas até onde você iria para evitar danos ambientais irreversíveis? Em particular, os estados têm o direito - ou mesmo a obrigação - de intervir em um país estrangeiro a fim de evitar que cause danos irreversíveis e possivelmente catastróficos ao meio ambiente?

Levanto essa questão à luz das notícias de que o presidente brasileiro Jair Bolsonaro está acelerando o desenvolvimento da floresta amazônica (60% das quais estão nas mãos dos brasileiros), pondo assim em perigo um recurso global crítico.

Como aqueles de vocês com mais respeito pela ciência do que Bolsonaro sabem, a floresta tropical é tanto um sumidouro de carbono importante quanto um regulador crítico de temperatura, bem como uma fonte importante de água doce. O desmatamento já prejudicou sua capacidade de desempenhar esses papéis cruciais, e cientistas brasileiros estimam que condições cada vez mais quentes e secas poderiam converter boa parte da floresta para a savana seca, com efeitos potencialmente catastróficos.

Na semana passada, a matéria de capa da revista Economist, pró-empresa e orientada para livre mercado, foi “Deathwatch for the Amazon” (“Velando pela Amazônia”)  que apresenta a questão muito bem. Para reafirmar minha pergunta inicial: O que a comunidade internacional tem o direito (ou obrigação) de fazer   para evitar que um presidente brasileiro equivocado (ou líderes políticos em outros países) adote ações que possam prejudicar a todos nós?

Isso é onde fica complicado. A soberania do Estado é um elemento crítico do atual sistema internacional; com certas exceções, os governos nacionais são livres para fazer o que quiserem dentro de suas próprias fronteiras. Mesmo assim, a cláusula pétrea da soberania nunca foi absoluta, e várias forças foram se desdobrando por muito tempo. Os Estados podem ser sancionados por violar o direito internacional (por exemplo, desafiando resoluções do Conselho de Segurança da ONU), e o direito internacional autoriza os países a entrar em guerra por autodefesa ou quando o Conselho de Segurança autorizar ações militares. É até legal atacar o território de outro país preventivamente, desde que haja uma base bem fundamentada para acreditar que ele estava prestes a atacá-lo primeiro.

Mais controversamente, a doutrina da “responsabilidade de proteger” procurou legitimar a intervenção humanitária em potências estrangeiras quando o governo local era incapaz ou não estava disposto a proteger seu próprio povo. E, na prática, os Estados aceitam rotineiramente as infrações à sua própria soberania, a fim de facilitar formas benéficas de cooperação internacional.

Quando a pressão chega, no entanto, a maioria dos estados se ressente e resiste aos esforços externos para levá-los a mudar o que estão fazendo dentro de suas próprias fronteiras. E mesmo que a destruição da floresta amazônica represente uma clara e óbvia ameaça para muitos outros países, dizer ao Brasil para parar e ameaçar tomar medidas para deter, punir ou prevenir seria um jogo inteiramente novo. E eu não quero destacar o Brasil: seria um passo igualmente radical ameaçar os Estados Unidos ou a China se eles se recusassem a emitir tantos gases do efeito estufa.

Não é como se os líderes mundiais não tivessem reconhecido a gravidade do problema. As Nações Unidas consideraram a degradação ambiental como uma “ameaça à paz e segurança internacional”, e o ex-representante de política externa da União Européia, Javier Solana, argumentou em 2008 que a mudança climática “deve estar no centro das políticas externas e de segurança da UE”. já identificaram várias maneiras pelas quais o Conselho de Segurança poderia agir para evitá-lo.


Como os pesquisadores Bruce Gilley e David Kinsella escreveram há alguns anos, “é pelo menos legalmente viável que o Conselho de Segurança invoque sua autoridade sob o Artigo 42, e use força militar contra os Estados que considera ameaças à paz e segurança internacionais em virtude de sua falta de vontade ou incapacidade de refrear as atividades destrutivas que emanam de seus territórios ”.

A questão, portanto, é até que ponto a comunidade internacional estaria disposta a ir a fim de prevenir, suspender ou reverter ações que possam causar danos imensos e irreparáveis ​​ao meio ambiente de que todos os seres humanos dependem? Pode parecer improvável imaginar estados ameaçando uma ação militar para evitar isso hoje, mas torna-se mais provável que as estimativas mais pessimistas de nosso futuro climático se mostrem corretas.

Mas aqui está um paradoxo cruel: os países que são os maiores responsáveis ​​pela mudança climática também são os menos suscetíveis à coerção, enquanto a maioria dos estados que podem ser pressionados a agir não são fontes significativas do problema subjacente. Os cinco principais emissores de gases do efeito estufa são a China, os Estados Unidos, a Índia, a Rússia e o Japão - quatro deles são estados de armas nucleares e o Japão é uma potência militar formidável por si só. Não é provável que ameaçar qualquer um deles com sanções funcione, e ameaçar uma séria ação militar contra eles é completamente irrealista. Além disso, é improvável que o Conselho de Segurança autorize o uso da força contra estados muito mais fracos, porque os membros permanentes não gostariam de estabelecer esse precedente e quase certamente vetariam a proposta.

É isso que torna o caso brasileiro mais interessante. O Brasil está de posse de um recurso global crítico - por razões puramente históricas - e sua destruição prejudicaria muitos estados, se não o planeta inteiro. Ao contrário de Belize ou Burundi, o que o Brasil faz pode ter um grande impacto. Mas o Brasil não é uma verdadeira grande potência, e ameaçá-lo com sanções econômicas ou mesmo com o uso da força se ele se recusar a proteger a floresta tropical pode ser viável. Para deixar claro: não estou recomendando esse curso de ação agora ou no futuro. Eu estou apenas apontando que o Brasil pode ser um pouco mais vulnerável à pressão do que alguns outros estados.

Pode-se também imaginar outros remédios para esse problema. Os Estados certamente poderiam ameaçar ou impor sanções comerciais unilaterais contra Estados ambientalmente irresponsáveis, e os cidadãos privados poderiam sempre tentar organizar boicotes voluntários por razões semelhantes. Alguns estados deram passos nesse sentido, e é fácil imaginar tais medidas se tornando mais difundidas à medida que os problemas ambientais se multiplicam. Alternativamente, os estados que governam o território ambientalmente sensível poderiam ser pagos para preservá-lo, no interesse de toda a humanidade. Com efeito, a comunidade internacional estaria subsidiando a proteção ambiental por parte daqueles que possuem os meios de fazer algo a respeito.
Essa abordagem tem o mérito de não desencadear o tipo de reação nacionalista que uma campanha coercitiva pode provocar, mas também pode incentivar alguns países a adotar políticas ambientalmente irresponsáveis, na esperança de obter benefícios econômicos de uma comunidade internacional preocupada.

Isso tudo é muito especulativo, e eu comecei a pensar em algumas das implicações desses dilemas. No entanto, acho que sei o seguinte: em um mundo de estados soberanos, cada um fará o que deve para proteger seus interesses. Se as ações de alguns estados estão pondo em perigo o futuro de todo o resto, a possibilidade de confrontos sérios e possivelmente de sérios conflitos vai aumentar. Isso não torna o uso da força inevitável, mas esforços mais sustentados, enérgicos e imaginativos serão necessários para evitá-lo.
Stephen M. Walt é o professor de relações internacionais Robert e Renée Belfer na Universidade de Harvard.

(Tradução de Jorge, o da Viriato e do Google Tradutor)
Rio, 6 de agosto de 2019