segunda-feira, 30 de março de 2015

O DIA EM QUE GANHEI CEM MIL DÓLARES...




O DIA EM QUE GANHEI CEM MIL DÓLARES...


Este é um episódio de minha vida que escondi durante muito tempo. Ganhar cem mil dólares é quase uma dádiva divina, sobretudo num país avassalado por uma inflação crescente e correção monetária indecente.

Lembro-me de que estava no Largo do Machado e vi um senhor esquecer uma maleta num banco da praça. Tentei correr atrás dele, mas ele embarcou num táxi e não me ouviu. E lá fiquei eu com uma pasta de 007 de James Bond e com cara de bunda. Nisto, chegou uma mulher e me disse eu vi o senhor apanhar a mala que o homem esqueceu, o sr,tem que entregar na polícia. Se eu entregar na polícia, a mala vai desaparecer e o entregue ficará como nunca entregue. Mesmo assim, continuou a dona, o sr,. tem que ir à polícia. Tá legal, eu vou. Então vamos juntos. E lá fomos nós para a delegacia defronte onde é hoje o CIEP Tancredo Neves.

Antes de chegarmos à delegacia tomei um guaraná e comi um sanduíche de sei- lá- o- quê, acho que de atum ou patê, sei lá, não me lembro. Fomos a pé, nem lembrando que havia Metrô. Quando estávamos perto do prédio do antigo cinema Azteca ( com "z" mesmo), um carro deu uma freiada violenta, uma mulher gritou, a dona que estava comigo olhou pra ver o que era , e eu aproveitei pra me mandar.

Queria um lugar tranquilo pra ver o que tinha na mala. Pensei entrar no antigo Palácio do Catete, mas vi muita gente e a possibilidade de olhares indiscretos. Vi que só tinha um jeito de lugar seguro: ir pra casa.

Apanhei um táxi "zé do caixão": pra quem não lembra, era um daqueles sedans da Volks, modelo 1600, que soltava muita fumaça, gás carbônico, dentro, o que poderia matar, daí o nome entre sinistro e engraçado. O motorista entabulou conversa e se referiu à maleta. Disse que era policial fazendo bico, porque não era corrupto.Contou-me a história de que havia dado cinco tiros num marginal e o safado havia sobrevivido , e agora estava sendo investigado pelo ato. Dou um tiro num bandido, e ainda sou investigado, essa não. Cambada de filhos da puta. Falou-me da esposa, da vizinha que comia e da cunhada que lhe dava bola, mas ele não comia, porque, além de feia, tinha bunda chapada e mau hálito. Caramba, parecia uma fossa. Conversa chata e doido pra chega em casa. Cheguei.

De tão apressado, saí e esqueci a maleta... mas o motorista voltou e me entregou. Ufa! Honesto mesmo... Fui para casa, minha mulher não estava e abri a mala. Dólares! Contei. Cem mil dólares! Ao câmbio com a infeliz de nossa moeda, era uma baba. Daria pra comprar carro, dar entrada num apartamento e até viajar... Bateu o remorso e o medo. Se o dono precisasse? Se fosse bandido? Quer saber, azar! Quem mandou ser distraído. Dane-se! Achado não é roubado! Entregar na polícia como aquela enxerida queria? No cu, pardal! Não tinha nome, endereço, a mais leve pista, entregar a quem? Pra polícia? O cacête!

Daqui a pouco batem à porta. Dois homens da polícia. Gelei... (Puta que pariu...) . O que houve, perguntei? É sobre o sumiço de uma maleta e... O que tenho eu a ver com isto? Sei de lá de maleta... O sr me parece muito agitado. Algum problema? Não... meio nervoso. Eu, nada... é que.. O policial ficou meio assim e... um deles viu a maleta. Que maleta é aquela? é minha! Leva o quê, nela? Minhas coisas, sou professor...( Caguei tudo...).Meu irmão também é professor e usa uma bolsa pra carregar provas, é que malas não fecham... direito... ( e de butuca lá dentro de casa, na maleta...). Olha, se o sr me der licença, eu... Seu nome é Seu Jorge, né? Professor, o sr. me parece muito agitado... Dor de cabeça... Vontade de ir ao banheiro fazer o sr. sabe, né? não estou aguentando, me retorcendo...Podia me dar licença? Mais uma pergunta, professor. O sr. já esteve no Largo do Machado? Acho que virei o abominável das neves de tão branco (ainda bem que a vontade de ir ao banheiro era mentira, senão...). Sim, por quê? O sr. se parece muito com um homem que faz caridade por lá, dá comida aos pombos... se parece muito... (Porra, que susto!) Foram embora.

Voltei às verdinhas. Me vi dirigindo um carrão. Um telefone em casa, sem plano de expansão, pago ali, no pau... Casa nova. Gêmeos quem sabe, dois de uma vez, uma barrigada só e pronto. Dormi...

Sonhei com uma maleta cheia de dólares esquecida por um homem no Largo do Machado;tentei devolver e não consegui;veio uma dona com a conversa de delegacia;me desvencilhei dela;peguei um táxi e cheguei em casa;dois policiais apareceram na minha porta e achei que eram para me prender... Aí acordei...

Uma barulhada com a porra do rádio alto pra cacete e pré-acertado para despertar naquela hora... sei lá o motivo, só que acordei com a zoada do "What's new pussicat" do Tom Jones... Pausa para os comerciais etc e o noticiário: pessoa baleada na rua; deputado não-sei-quem fez um discurso e foi cassado; Israel rejeita não sei que lá; funcionário da TV Globo perde maleta no Largo do Machado com dinheiro de fantasia a ser usado em novelas, cem mil dólares...

Puta que pariu... Tomá no c***....

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