INCOMPETÊNCIA OLÍMPICA
Cora
Rónai - O GLOBO, 11/04/2013
Ao contrário de
todo mundo, acho que ter sido escolhida sede das Olimpíadas foi uma das piores
coisas que podiam ter acontecido ao Rio. Junte-se a isso a famigerada Copa, e a
desgraça está feita. Antes que me atirem mais pedras do que provavelmente já
estarão atirando depois dessas duas primeiras frases, esclareço que não tenho
nada contra as Olimpíadas nem contra a Copa como espetáculos, muito antes pelo
contrário. Acho os dois eventos bonitos e simbólicos e fico fascinada com a
mistura de gentes que proporcionam. Minha implicância é com a corrupção abissal
que as cerca e com a sua realização no Brasil — sobretudo, no Rio de Janeiro.
Não duvido que tanto Copa quanto Olimpíadas corram lindamente: somos os reis do
jeitinho, e com um superfaturamento aqui e uma enganação ali, teremos (quase)
tudo pronto a tempo. Se não forem assaltados, estuprados ou mortos, os turistas
voltarão para casa com belas lembranças.
A questão, no
entanto, não é o que os turistas dirão de nós; a questão é o que vai acontecer,
e o que já está acontecendo, conosco. Tanto a Copa quanto as Olimpíadas têm
funcionado, até aqui, como carta branca para tudo o que é descalabro. A
sensação que tenho — e peço encarecidamente que me corrijam se eu estiver
errada — é que nunca se roubou tanto, e tão impunemente, neste país. Não, não
tenho números. Não tenho fatos. Tenho apenas a percepção de alguém que vê os
valores de obras desnecessárias aumentando astronomicamente, enquanto os
cidadãos ficam entregues à própria sorte num cotidiano cada vez mais degradado.
Com a desculpa
das Olimpíadas, o metrô está sendo ampliado sem nenhum critério. Dia sim outro
também mais uma árvore vem abaixo por causa das obras; a destruição no Leblon
consegue ser pior do que a de Ipanema. Em breve não sobrará um único pedacinho
verde no bairro. Os poucos equipamentos que nos ficaram do Pan foram sucateados
sem a menor cerimônia; os atletas foram despejados porque, como bem sabemos, a
principal preocupação do Comitê Olímpico não é com o esporte, e sim com o
faturamento.
Mas ainda que
tudo estivesse sendo feito com a maior correção, os benefícios trazidos pela
realização desses eventos seria questionável. Montreal que é Montreal levou 30
anos para quitar a dívida dos Jogos Olímpicos de 1976. Até agora ninguém
descobriu o que os jogos de 2004 fizeram de positivo por Atenas: os
equipamentos construídos na ocasião já estavam desertos e em ruínas antes mesmo
da crise, e o número de empregos diminuiu com velocidade ainda maior do que
tinha crescido tão logo a festa acabou. O famoso Ninho do Pássaro, em Beijing,
virou um elefante branco — e olhem que o que não falta na China é gente para
encher estádio.
Não é de ontem
que penso assim, mas se ainda me restasse qualquer dúvida em relação a esses
desastres econômicos, ela teria se transformado na mais absoluta certeza depois
que assisti à entrevista do ministro Aldo Rebelo, da Nike, no programa Roda
Viva. Não sei o que me indignou mais, se a má fé com que ele respondia às
perguntas dos jornalistas, ou o pouco caso que faz da inteligência dos
brasileiros. Há muito tempo eu não ouvia tanta besteira entoada com tanto
cinismo.
Ninguém precisa
entender nada de futebol para prever que um estádio de 44 mil lugares em Manaus
vai virar elefante branco; para o ministro, porém, questionar a necessidade
dessa construção é ser preconceituoso com a região Norte. Ninguém precisa
entender nada do caráter das leis para perceber como é absurdo um país abrir
mão da sua legislação só porque a Fifa quer vender cerveja nos estádios; para o
ministro, no entanto, essa distorção é tão trivial quanto a eventual realização
de uma corrida de automóveis numa área urbana, onde a lei estabelece limites de
velocidade.
No mais, como
qualquer pessoa despreparada, ele não tem dúvidas, só certezas. Acha que não
podemos nos queixar do Engenhão já estar podre porque, afinal, o estádio
“recebeu os jogos dos grandes clubes nos últimos tempos”; considera que o país
está perfeitamente preparado para grandes eventos, dado que recebemos a família
real portuguesa em 1808; afirma, categoricamente, que teremos cobertura 4G em
dois meses (até agora, existem apenas quatro cidades cobertas, entre elas as
megalópoles de Búzios, Paraty e Campos do Jordão, e uma única operadora
oferecendo o serviço); diz que o dinheiro público empenhado nos estádios foi
emprestado “mediante garantias” e que “não há nada mais fiscalizado no Brasil
do que o dinheiro da Copa”.
Em qualquer país
medianamente civilizado, uma entrevista tão constrangedora seria motivo
suficiente para apeá-lo do ministério. Se Aldo Rebelo falou da boca para fora,
tentando nos enrolar, não merece respeito; se é sincero e acredita no que
disse, não tem competência nem para servir cafezinho na repartição.
(O Globo,
Segundo Caderno, 11.4.2013)
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