DE COMO O PSDB VOOU PARA O BREJO
O PSDB está fora do jogo, virtualmente morto, como partido capaz de
constituir um eixo hegemônico para uma coisa ou o seu contrário, de um lado ou
de outro. Vale dizer: não terá o poder e não vai liderar a oposição, qualquer
que seja o vitorioso. A menos que eventos sensacionais, que hoje estão
fora de qualquer prognóstico, possam reanimá-lo. O que quer que reste da
legenda — refiro-me a bens móveis e imóveis — servirá a um outro senhor ainda
sem cara definida. O partido disputa, é verdade, o segundo turno em seis
Estados: SP, MG, MS, RO, RS e RR. Dados os resultados do primeiro, a situação
só pode se dizer tranquila no Mato Grosso do Sul. A bancada na Câmara vai
emagrecer dos atuais 49 para 30 deputados — de quarta passará a oitava. No
Senado, continuará em segundo lugar, mas com oito representantes, não mais com 12.
Vitórias que pareciam certas, como Minas e São Paulo — posições de poder em
razão do tamanho da economia desses Estados —, já não merecem essa designação.
O partido está, de resto, perdido, como se viu na reunião da Executiva nesta
terça.
O PSDB se reuniu nesta (09/10/18) para definir que rumo
tomaria na eleição presidencial. Decidiu pelo duplo “não” — “nem um nem outro”,
na fala de Gerado Alckmin, presidente da sigla e candidato derrotado do partido
à Presidência. Mas os filiados podem tomar decisões por sua conta. João Dória,
que disputa o segundo turno em São Paulo com Márcio França (PSB), já havia
escolhido Jair Bolsonaro (PSL). Outros também haviam se antecipado. Não há
notícia de tucanos migrando para Fernando Haddad (PT). Como informam todos os
sites noticiosos, Doria e Alckmin trocaram farpas. O candidato ao governo
cobrava mais recursos aos que vão disputar o segundo turno. Na altercação,
Alckmin o chamou de “traidor”. Um aliado de Dória, no Diretório Municipal
em São Paulo, já havia decidido expulsar Alberto Goldman, ex-presidente do
partido, e Saulo de Castro, secretário de governo do Estado e homem de
confiança de Alckmin — além de outras 14 pessoas. A Executiva Nacional
classificou a decisão de inócua. Orlando Morando, prefeito de São Bernardo e
aliado de Dória, defendeu já no domingo que Alckmin entregasse o comando da
legenda. Há um consenso: se Doria vencer a disputa pelo governo do Estado, terá
o controle do partido. E o PSDB social-democrata terá chegado ao fim. Se
perder, o futuro é ainda mais incerto. Mas como se chegou a isso?
Há muito tempo já, antevi aqui e em toda parte que o PSDB caminhava
para ser a principal vítima da Lava jato. E sempre considerei, o que depois se
comprovou, que o próprio partido não havia se dado conta disso. Observem que a
operação começou como uma investigação centrada em desvios na Petrobras e se
transformou, muito depressa, numa razia contra toda a classe política. Os até
então protagonistas da cena das últimas décadas, PT e PSDB, acabaram sofrendo
os maiores danos. Dilma foi destituída, e Lula está preso. Mas o PT sobreviveu.
Está no segundo turno das eleições, fez a maior bancada da Câmara, congrega um
eleitorado gigantesco no Nordeste e está presente no Brasil inteiro por meio de
suas franjas no mundo sindical. Mas e os tucanos? Pois é…
A Lava Jato vinha minando aos poucos todo o sistema
político, objetivo praticamente confesso em entrevistas concedidas aqui e ali
por algumas de suas estrelas. Havia uma certa sede de começar o país do zero,
como se isso existisse, como se isso fosse possível. A operação Joesley,
arquitetada por Rodrigo Janot e Edson Fachin, sob o patrocínio moral de Cármen
Lúcia, fez o edifício todo desmoronar sem haver outro onde alojar as aflições
dos brasileiros. Os principais alvos foram atingidos e, com eles, o que ainda restava
em pé: Aécio Neves perdeu o comando do PSDB, e Michel Temer teve de enfrentar
duas tentativas de deposição. O sistema veio abaixo. Aí alguém poderia
perguntar: “Qual sistema? O da corrupção?” Não! O sistema de representação. É
isso que explica um Jair Bolsonaro ser não apenas o contraponto ao PT e às
esquerdas. Ele entrou na disputa como contraponto também à chamada
“política tradicional”, representada, então, por todos os partidos. As
bombas contra a política detonadas por Sérgio Moro e pelo Ministério Público
Federal convenceram amplos setores no Brasil, em especial aqueles com mais
acesso à informação, de que a política, também o bom exercício da política, é
coisa de gente suja.
Vamos fazer de conta, para efeitos de pensamento, que MPF e
a Justiça não tenham cometido nenhuma irregularidade nas ações contra os partidos
e os políticos — e incluo aqui todo mundo mesmo, para me dispensar de citações
e distinções exaustivas. Pergunta-se: não era possível investigar e punir
cumprindo-se as leis? Acredito que sim! Não era possível caçar os larápios
reforçando, então, os instrumentos que fortalecem a democracia? Pois é…
Em vez disso, eles todos foram fragilizados. Isso explica que as chamadas
legendas tradicionais tenham tido um desempenho pífio das urnas. Havia pouco
que as lideranças dessas legendas pudessem fazer até por suas próprias
biografias, tivessem ou não contas a prestar. Um homem decente como Geraldo
Alckmin foi triturado porque fez alianças para governar. Sim, havia e há
investigados nos chamados partidos do “centrão”. Mas há os não-investigados.
Henrique Meirelles (MDB) teve menos votos do que Cabo Daciolo,
E por que o PT
resistiu, ainda que avariado? Observem que não vou entrar no mérito da
justeza ou não das punições aplicadas; notem que não vou fazer juízo de valor
sobre a responsabilidade do partido nessa crise — até porque já escrevi
centenas de textos a respeito. Você pode discordar de todos os pressupostos
ideológicos do PT, como discordo; pode ser, como sou, um liberal em economia,
como o PT não é. Mas o fato é que, ainda que com o propósito de apenas defender Lula, a
legenda armou uma espécie de resistência política. E estou falando da política,
já que, no Judiciário, o partido perdeu todos os embates. O
PSDB e as demais legendas não se deram conta de que a ação de suposta
moralização da política tinha — e tem — um projeto de poder. O sistema político
como um todo não soube, e não sabe ainda, fazer a defesa dos direitos
individuais em face da exacerbação dos poderes de investigação e de polícia de
órgãos do Estado, que passaram a falar uma linguagem abertamente política.
Hoje, disputam o poder. O PSDB e as outras legendas não souberam sair da
armadilha. O bolsonarismo cresceu nos escombros que a razia lava-jatista ia
provocando na política. Sendo quem era, o PSDB tinha a obrigação de ter
percebido o jogo. Mas faltou inteligência estratégica. Agora, parece que o
tucanismo voou para o brejo.
Não há, a rigor, nada de
excepcional em ser Jair Bolsonaro a disputar o segundo turno com Fernando
Haddad, do PT. O partido foi o que conseguiu resistir, e olhem que seu
principal ativo eleitoral está na cadeia, à ação do que chamei Partido da
Polícia, de que o bolsonarismo agora faz parte. E aqui vai um alerta. A imprensa
está no alvo. Aliás, ela já está na mira de delinquentes das redes sociais. A
liberdade de expressão não precisa de instrumentos formais de censura. Basta
que se torne irrespirável o ambiente da diversidade e da pluralidade. E pronto.
A minha advertência mais constante sempre foi esta: não entrem na fila da
guilhotina, defendendo instrumentos de exceção da Lava Jato. Eles se voltarão
contra você. É uma questão de tempo.
By REINALDO AZEVEDO -
Uma série de 7 artigos em http://www3.redetv.uol.com.br/blog/reinaldo/
, em 10/10/2018
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