domingo, 21 de outubro de 2018

BOLSONARO e a LEGISLAÇÃO



BOLSONARO e a LEGISLAÇÃO
A reportagem do jornal Folha de São Paulo denunciou caso de violação da lei eleitoral pela campanha de Jair Bolsonaro. Os partidos adversários se agitaram e pedem impugnação/cassação da chapa. Mas, não é tão simples. Há uma legislação sobre o assunto que precisa ser obedecida, sobretudo a abertura de investigação e coleta de provas. Muitos consideram possível que Haddad poderia assumir caso a violação fosse comprovada __ mas não é bem assim...
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Não há nenhuma chance de o registro da candidatura de Jair Bolsonaro (PSL) ser cassado antes da realização do segundo turno, no próximo dia 28. Assim, descarte-se de pronto a realização de uma eventual etapa final entre o petista Fernando Haddad e o pedetista Ciro Gomes.  A razão é simples: não haverá tempo hábil para se fazer a investigação. Uma coisa é certa. Ela será aberta. E isso significa que o mandato do então presidente Jair Bolsonaro ficará na dependência do que for apurado. O que se tem de certo e comprovado? Empresas compraram, por cifras milionárias, pacotes de disparos em massa de mensagens no WhatsApp. Há evidências de que agências de estratégia digital venderam bases de dados, o que também é proibido. Isso significa que o então presidente Jair Bolsonaro poderá dormir tranquilo? A resposta é não.

O Parágrafo 10 do Artigo 14 da Constituição é explícito: “O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude.” 

Só para esclarecer: 15 dias é o prazo máximo para a contestação, que é o sentido, no texto, da palavra “impugnação”. O Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional a doação de empresas privadas a campanhas eleitorais. E, por óbvio, os recursos empregados para a compra desses pacotes de disparos caracterizam doação irregular e caixa dois de campanha.

Há leis que tratam do assunto.

O Parágrafo 3º da Lei 9.504 caracteriza o abuso de poder econômico na campanha. Comprovado, pode resultar na cassação do registro da candidatura ou, mesmo depois da diplomação, do mandato.
A Resolução 23.551, do TSE, deixa claro que não há tempo para que a evidência de abuso de poder político ou do uso indevido dos meios de comunicação social possa resultar numa ação que leve à cassação da diplomação do eleito. No caso em questão, a investigação terá de ser aberta. E é bom Bolsonaro torcer para que não surjam evidências de conivência entre a campanha — e não se exige que seja o seu comprometimento pessoal — e o crime eleitoral cometido. Se isso se der, ele só permanece presidente se o tribunal resolver cometer, vamos dizer, suicídio legal e moral. E se Bolsonaro tiver a diplomação cassada? Acontece o quê?

Não! Fernando Haddad não vai se tornar automaticamente presidente da República caso Bolsonaro venha a ter cassado o registro de sua candidatura.

A reforma eleitoral de 2015 pôs fim à posse do segundo colocado em qualquer eleição majoritária. O Parágrafo 3º do Artigo 224 do Código Eleitoral passou a ter a seguinte redação: “A decisão da Justiça Eleitoral que importe o indeferimento do registro, a cassação do diploma ou a perda do mandato de candidato eleito em pleito majoritário acarreta, após o trânsito em julgado, a realização de novas eleições, independentemente do número de votos anulados”. Esse “trânsito em julgado”, de toda sorte, implica que a palavra final seria, na verdade, do Supremo.

Sim, haveria um longo debate no caso de Bolsonaro ter a diplomação cassada porque o Artigo 81 da Constituição prevê que, vagando os cargos de presidente e vice, haverá nova eleição direta se a vacância ocorrer nos dois primeiros anos de mandato e indireta se ocorrer nos dois últimos. Assim, aplicar-se-ia o Parágrafo 3º do Artigo 224 do Código Eleitoral ou o Artigo 81 da Carta? Entendo que não são incompatíveis, mas os ministros do Supremo dariam a palavra final. Note-se que a candidatura de Bolsonaro está sendo impugnada, contestada, desde já. E será novamente naquele prazo de 15 dias depois da diplomação. A Constituição, creio eu, trata da situação do presidente que é diplomado sem qualquer contestação e perde o mandato ou por crime de responsabilidade ou por infrações penais comuns. A questão, de todo modo, não se esgota na esfera eleitoral.

O Ministério Público Federal deve entrar na jogada também na esfera criminal. Aí será preciso lembrar o que dispõe a Lei 12.850, que define organização criminosa. Está lá no Parágrafo 1º do Artigo 1º da lei:

§ 1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.”

Atentem para a “vantagem de qualquer natureza” — e isso inclui a eleitoral. Mais: havendo conexão com a campanha, tem-se um caso de caixa dois e, têm considerado o Ministério Público e o Judiciário, de lavagem de dinheiro. E tudo pode ser agravado porque os tais pacotes incluíam as chamadas “fake news”, que, na maioria das vezes, incidem também nos crimes contra a honra, quando menos: calúnia, injúria e difamação.

Os dias serão animados. O TSE é composto de sete titulares, três deles oriundos do STF. Dois dos três votaram pela inconstitucionalidade da doação de empresas privadas a campanhas: Rosa Weber, presidente do tribunal, e Luiz Roberto Barroso, o pai intelectual da tese. Edson Fachin não votou nessa matéria, mas já se manifestou também pela proibição. O presidente que antecedeu Rosa é ninguém menos do que Luiz Fux, que foi o relator da Adin que proibiu a doação de pessoas jurídicas. Também é o ministro que se fez notar pela declaração de que “fake news” poderiam até anular uma eleição. Esse é o mesmo tribunal que, por sete a zero, selou a inelegibilidade de Lula e, por 6 a 1, lhe tirou o direito a um recurso. A situação é bem mais delicada do que parece.

A síntese é a seguinte: Jair Bolsonaro tomará posse sob investigação. O crime foi cometido. A questão é saber se em conexão ou não com sua campanha. Bolsonaro já disse que não sabia de nada. Eis uma resposta que não inova, não é mesmo? Ele e só mais um que não sabia.

Jair Bolsonaro será eleito presidente da República no dia 28. Caso se comprove algum vínculo entre a sua campanha e o “WhatsAppão”, o escândalo do WhatsApp, só permanecerá presidente em razão da conivência do TSE com um crime eleitoral. E tal conivência pode se dar por vários motivos: do alinhamento político do tribunal com a nova ordem à covardia. E aí será, certamente, uma má estreia. A investigação vai ser aberta. Não tem prazo para terminar. Uma coisa é certa: leis foram violadas, e a violação pode levar, à cassação da chapa. Temos tribunal com toga o bastante para isso? Vamos devagar.

Destaque-se que a reportagem de Patrícia Campos Mello, publicada na Folha, é a mais relevante sobre as eleições de 2018 em qualquer meio. Para lembrar: “Empresas estão comprando pacotes de disparos em massa de mensagens contra o PT no WhatsApp e preparam uma grande operação na semana anterior ao segundo turno. A prática é ilegal, pois se trata de doação de campanha por empresas, vedada pela legislação eleitoral, e não declarada. A Folha apurou que cada contrato chega a R$ 12 milhões (…)”

Pouco importa saber, como sempre, de que lado você está da porfia. Eleitores têm suas respectivas razões para votar em Bolsonaro ou em Fernando Haddad (PT). Já disse em dezenas de textos o que penso de cada postulação. Como de hábito, o que me interessa é o ordenamento legal. Que o crime aconteceu, bem…, aconteceu. É preciso investigar para detalhar as circunstâncias e para apurar as responsabilidades.

Antes que eu entre no detalhamento legal, vamos a uma questão central, de saída, que precisa ter resposta de pronto: “Faz algum sentido  cassar a chapa de um candidato que será eleito pela maioria dos votantes?” A pergunta tem a mesma natureza daquela que faziam os petistas por ocasião do impeachment de Dilma. Ou ela não tinha sido eleita pela maioria? “Ah, mas, quando caiu, a maioria era a favor da sua deposição.” Tenho vergonha nesta cara de 57 anos. Eu não apoiei o impeachment de Dilma porque ela era impopular, mas porque considerei que ela havia desrespeitado a lei. Pau que dá em Dilma dá em Bolsonaro. Simples assim. Vamos às leis?

Estabelece o Parágrafo 3º do Artigo 22 da Lei 9.504:

“O uso de recursos financeiros para pagamentos de gastos eleitorais que não provenham da conta específica de que trata o caput deste artigo implicará a desaprovação da prestação de contas do partido ou candidato; comprovado abuso de poder econômico, será cancelado o registro da candidatura ou cassado o diploma, se já houver sido outorgado.”

Alguma dúvida a respeito? O pagamento por empresa do pacote de disparos no WhatsApp caracteriza óbvio abuso de poder econômico porque os recursos financeiros que pagam a ilegalidade não são declarados à Justiça Eleitoral. Nem poderiam ser, já que a doação de empresas privadas a campanhas foi considerada inconstitucional pelo Supremo.

A campanha de Fernando Haddad já pediu abertura de investigação. O PDT vai fazer a mesma coisa. Amparam-se no Artigo 22 da Lei Complementar 64:

“Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, que trata ainda da ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político (…)”
O “WhatsAppão”, escândalo do WhatsApp, caracteriza “abuso de poder econômico” e “utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social”.

Há mais: a Resolução nº 23.551 do TSE estabelece no Parágrafo 2º do Artigo 6º:

“§ 2º Sem prejuízo das sanções pecuniárias específicas, os atos de propaganda eleitoral que importem em abuso do poder econômico, abuso do poder político ou uso indevido dos meios de comunicação social, independentemente do momento de sua realização ou verificação, poderão ser examinados na forma e para os fins previstos no art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990.”

Eu explico o que isso significa: se surgir, a qualquer momento ao longo do mandato de Bolsonaro, a evidência de que sua campanha foi conivente com o crime, pode ser aberta uma ação que resulte na cassação do “diploma” de sua eleição — vale dizer: do seu mandato. Desde que tenha havido a impugnação — isto é: a contestação — no prazo de 15 dias depois da diplomação.


By Reinaldo Azevedo, 19 de outubro de 2018


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