BOLSONARO e
a LEGISLAÇÃO
A reportagem do jornal Folha de São Paulo denunciou caso de violação da lei eleitoral pela campanha de Jair Bolsonaro. Os partidos adversários se agitaram e pedem impugnação/cassação da chapa. Mas, não é tão simples. Há uma legislação sobre o assunto que precisa ser obedecida, sobretudo a abertura de investigação e coleta de provas. Muitos consideram possível que Haddad poderia assumir caso a violação fosse comprovada __ mas não é bem assim...
A reportagem do jornal Folha de São Paulo denunciou caso de violação da lei eleitoral pela campanha de Jair Bolsonaro. Os partidos adversários se agitaram e pedem impugnação/cassação da chapa. Mas, não é tão simples. Há uma legislação sobre o assunto que precisa ser obedecida, sobretudo a abertura de investigação e coleta de provas. Muitos consideram possível que Haddad poderia assumir caso a violação fosse comprovada __ mas não é bem assim...
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Não há nenhuma chance de o registro da candidatura de Jair
Bolsonaro (PSL) ser cassado antes da realização do segundo turno, no próximo
dia 28. Assim, descarte-se de pronto a realização de uma eventual etapa final
entre o petista Fernando Haddad e o pedetista Ciro Gomes. A razão é simples: não haverá tempo hábil
para se fazer a investigação. Uma coisa é certa. Ela será aberta. E isso
significa que o mandato do então presidente Jair Bolsonaro ficará na dependência
do que for apurado. O que se tem de certo e comprovado? Empresas compraram, por
cifras milionárias, pacotes de disparos em massa de mensagens no WhatsApp. Há
evidências de que agências de estratégia digital venderam bases de dados, o que
também é proibido. Isso significa que o então presidente Jair Bolsonaro poderá dormir
tranquilo? A resposta é não.
O Parágrafo 10 do Artigo 14 da Constituição é explícito: “O
mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de
quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do
poder econômico, corrupção ou fraude.”
Só para esclarecer: 15 dias é o prazo máximo para a contestação, que é o sentido, no texto, da palavra “impugnação”. O Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional a doação de empresas privadas a campanhas eleitorais. E, por óbvio, os recursos empregados para a compra desses pacotes de disparos caracterizam doação irregular e caixa dois de campanha.
Há leis que tratam do assunto.
O Parágrafo 3º da Lei 9.504 caracteriza o abuso de poder econômico na campanha. Comprovado, pode resultar na cassação do registro da candidatura ou, mesmo depois da diplomação, do mandato.
A Resolução 23.551, do TSE, deixa claro que não há tempo
para que a evidência de abuso de poder político ou do uso indevido dos meios de
comunicação social possa resultar numa ação que leve à cassação da diplomação
do eleito. No caso em questão, a investigação terá de ser aberta. E é
bom Bolsonaro torcer para que não surjam evidências de conivência entre a
campanha — e não se exige que seja o seu comprometimento pessoal — e o crime
eleitoral cometido. Se isso se der, ele só permanece presidente se o tribunal
resolver cometer, vamos dizer, suicídio legal e moral. E se Bolsonaro tiver a
diplomação cassada? Acontece o quê?
Não! Fernando Haddad
não vai se tornar automaticamente presidente da República caso Bolsonaro venha
a ter cassado o registro de sua candidatura.
A reforma eleitoral de 2015 pôs fim à posse do segundo
colocado em qualquer eleição majoritária. O Parágrafo 3º do Artigo 224 do
Código Eleitoral passou a ter a seguinte redação: “A decisão da Justiça
Eleitoral que importe o indeferimento do registro, a cassação do diploma ou a
perda do mandato de candidato eleito em pleito majoritário acarreta, após o
trânsito em julgado, a realização de novas eleições, independentemente do
número de votos anulados”. Esse “trânsito em julgado”, de toda sorte, implica
que a palavra final seria, na verdade, do Supremo.
Sim, haveria um longo debate no caso de Bolsonaro ter a
diplomação cassada porque o Artigo 81 da Constituição prevê que, vagando os
cargos de presidente e vice, haverá nova eleição direta se a vacância ocorrer
nos dois primeiros anos de mandato e indireta se ocorrer nos dois últimos.
Assim, aplicar-se-ia o Parágrafo 3º do Artigo 224 do Código Eleitoral ou o
Artigo 81 da Carta? Entendo que não são incompatíveis, mas os ministros do
Supremo dariam a palavra final. Note-se que a candidatura de Bolsonaro está
sendo impugnada, contestada, desde já. E será novamente naquele prazo de 15
dias depois da diplomação. A Constituição, creio eu, trata da situação do
presidente que é diplomado sem qualquer contestação e perde o mandato ou por
crime de responsabilidade ou por infrações penais comuns. A questão, de todo
modo, não se esgota na esfera eleitoral.
O Ministério Público Federal deve entrar na jogada também na
esfera criminal. Aí será preciso lembrar o que dispõe a Lei 12.850, que define
organização criminosa. Está lá no Parágrafo 1º do Artigo 1º da lei:
“§ 1º Considera-se organização criminosa a associação de 4
(quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão
de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou
indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações
penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de
caráter transnacional.”
Atentem para a “vantagem de qualquer natureza” — e isso
inclui a eleitoral. Mais: havendo conexão com a campanha, tem-se um caso de
caixa dois e, têm considerado o Ministério Público e o Judiciário, de lavagem
de dinheiro. E tudo pode ser agravado porque os tais pacotes incluíam as
chamadas “fake news”, que, na maioria das vezes, incidem também nos crimes
contra a honra, quando menos: calúnia, injúria e difamação.
Os dias serão animados. O TSE é composto de sete titulares,
três deles oriundos do STF. Dois dos três votaram pela inconstitucionalidade da
doação de empresas privadas a campanhas: Rosa Weber, presidente do tribunal, e
Luiz Roberto Barroso, o pai intelectual da tese. Edson Fachin não votou nessa
matéria, mas já se manifestou também pela proibição. O presidente que antecedeu
Rosa é ninguém menos do que Luiz Fux, que foi o relator da Adin que proibiu a
doação de pessoas jurídicas. Também é o ministro que se fez notar pela
declaração de que “fake news” poderiam até anular uma eleição. Esse é o mesmo
tribunal que, por sete a zero, selou a inelegibilidade de Lula e, por 6 a 1,
lhe tirou o direito a um recurso. A situação é bem mais delicada do que parece.
A síntese é a seguinte: Jair Bolsonaro tomará posse sob investigação. O crime foi cometido. A questão é saber se em conexão ou não com sua campanha. Bolsonaro já disse que não sabia de nada. Eis uma resposta que não inova, não é mesmo? Ele e só mais um que não sabia.
Jair Bolsonaro será eleito presidente da República no dia
28. Caso se comprove algum vínculo entre a sua campanha e o “WhatsAppão”, o
escândalo do WhatsApp, só permanecerá presidente em razão da conivência do TSE
com um crime eleitoral. E tal conivência pode se dar por vários motivos: do
alinhamento político do tribunal com a nova ordem à covardia. E aí será,
certamente, uma má estreia. A investigação vai ser aberta. Não tem prazo para
terminar. Uma coisa é certa: leis foram violadas, e a violação pode levar, à
cassação da chapa. Temos tribunal com toga o bastante para isso? Vamos devagar.
Destaque-se que a reportagem de Patrícia Campos Mello,
publicada na Folha, é a mais relevante sobre as eleições de 2018 em qualquer
meio. Para lembrar: “Empresas estão comprando pacotes de disparos em massa de
mensagens contra o PT no WhatsApp e preparam uma grande operação na semana
anterior ao segundo turno. A prática é ilegal, pois se trata de doação de
campanha por empresas, vedada pela legislação eleitoral, e não declarada. A
Folha apurou que cada contrato chega a R$ 12 milhões (…)”
Pouco importa saber, como sempre, de que lado você está da
porfia. Eleitores têm suas respectivas razões para votar em Bolsonaro ou em
Fernando Haddad (PT). Já disse em dezenas de textos o que penso de cada
postulação. Como de hábito, o que me interessa é o ordenamento legal. Que o
crime aconteceu, bem…, aconteceu. É preciso investigar para detalhar as
circunstâncias e para apurar as responsabilidades.
Antes que eu entre no detalhamento legal, vamos a uma
questão central, de saída, que precisa ter resposta de pronto: “Faz
algum sentido cassar a chapa de um
candidato que será eleito pela maioria dos votantes?” A pergunta tem a
mesma natureza daquela que faziam os petistas por ocasião do impeachment de
Dilma. Ou ela não tinha sido eleita pela maioria? “Ah, mas, quando caiu, a
maioria era a favor da sua deposição.” Tenho vergonha nesta cara de 57 anos. Eu
não apoiei o impeachment de Dilma porque ela era impopular, mas porque
considerei que ela havia desrespeitado a lei. Pau que dá em Dilma dá em
Bolsonaro. Simples assim. Vamos às leis?
Estabelece o Parágrafo 3º do Artigo 22 da Lei 9.504:
“O uso de recursos financeiros para pagamentos de gastos
eleitorais que não provenham da conta específica de que trata o caput deste
artigo implicará a desaprovação da prestação de contas do partido ou candidato;
comprovado abuso de poder econômico, será cancelado o registro da candidatura
ou cassado o diploma, se já houver sido outorgado.”
Alguma dúvida a respeito? O pagamento por empresa do pacote de disparos
no WhatsApp caracteriza óbvio abuso de poder econômico porque os recursos
financeiros que pagam a ilegalidade não são declarados à Justiça Eleitoral. Nem
poderiam ser, já que a doação de empresas privadas a campanhas foi considerada
inconstitucional pelo Supremo.
A campanha de Fernando Haddad já pediu abertura de
investigação. O PDT vai fazer a mesma coisa. Amparam-se no Artigo 22 da Lei
Complementar 64:
“Qualquer partido político, coligação, candidato ou
Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral,
diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando
provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial
para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de
autoridade, que trata ainda da ou utilização indevida de veículos ou meios de
comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político (…)”
O “WhatsAppão”, escândalo do WhatsApp, caracteriza “abuso de
poder econômico” e “utilização indevida de veículos ou meios de comunicação
social”.
Há mais: a Resolução nº 23.551 do TSE estabelece no
Parágrafo 2º do Artigo 6º:
“§ 2º Sem prejuízo das sanções pecuniárias específicas, os
atos de propaganda eleitoral que importem em abuso do poder econômico, abuso do
poder político ou uso indevido dos meios de comunicação social,
independentemente do momento de sua realização ou verificação, poderão ser
examinados na forma e para os fins previstos no art. 22 da Lei Complementar nº
64, de 18 de maio de 1990.”
Eu explico o que isso significa:
se surgir, a qualquer momento ao longo do mandato de Bolsonaro, a evidência de
que sua campanha foi conivente com o crime, pode ser aberta uma ação que
resulte na cassação do “diploma” de sua eleição — vale dizer: do seu mandato.
Desde que tenha havido a impugnação — isto é: a contestação — no prazo de 15
dias depois da diplomação.
By Reinaldo Azevedo, 19 de outubro de 2018
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