BOLSONARO: uma ameaça à Democracia?
São dois artigos
publicados na Folha de São Paulo, 21/10/2018 que se complementam.
O primeiro é uma discussão teórica sobre o
Fascismo e se Bolsonaro se enquadra no
conceito.
O segundo situa Bolsonaro no momento político atual
O segundo situa Bolsonaro no momento político atual
BOLSONARO é FASCISTA?
Uma dúvida paira sobre a eleição presidencial deste ano: o
candidato Jair Bolsonaro (PSL) é fascista?
Referir-se assim a um adversário tornou-se corriqueiro
nesses últimos anos de maior polarização política. Poucas vezes, contudo, o
termo fascismo foi tão associado a um candidato quanto tem sido a Bolsonaro.
Em 8 de outubro, dia seguinte ao primeiro turno da eleição,
a página a respeito do fascismo foi a mais vista na Wikipédia em português, com
205.844 visitas. Somou, na primeira quinzena deste mês, mais de 1 milhão de
visualizações, o maior número desde 2015.
Segundo o Trends, ferramenta que processa amostras dos
conteúdos mais procurados no Google, “O que é fascismo?” foi uma das perguntas
relacionadas com maior frequência ao candidato do PSL.
Cientistas políticos, filósofos e historiadores ouvidos pela
Folha divergem quanto a classificar Bolsonaro como fascista, mas são quase
unânimes em dizer que o discurso do presidenciável é de extrema direita, pleno
de autoritarismo, com alguns traços próximos ao fascismo.
Movimento político de massa originado na Itália no início do
século 20, o fascismo é caracterizado por um Estado totalitário de partido
único, pelo ultranacionalismo, pelo culto ao uso da força, pela perseguição à
oposição, pelo controle estatal da sociedade. Na definição do filósofo e
historiador italiano Norberto Bobbio (1909-2004), trata-se, em resumo, de uma
ideologia de negação total da democracia.
O movimento teve como seus principais expoentes o italiano
Benito Mussolini e o alemão Adolf Hitler. Inspirou inúmeros fenômenos
semelhantes pelo mundo, como o integralismo brasileiro.
Não devemos nos ater, porém, apenas a essa caracterização
histórica para analisar casos atuais, opina Paulo Sérgio Pinheiro, ex-ministro
da Secretaria de Direitos Humanos (governo FHC) e ex-coordenador da Comissão
Nacional da Verdade.
Ele argumenta que o fascismo passou, depois da Segunda
Guerra, por transformações de variados graus, o que torna sua identificação
mais complexa. Prefere, portanto, referir-se a Bolsonaro como neofascista.
“Não adianta pegar a forma do fascismo italiano e tentar ver
se Bolsonaro se encaixa nela ou não. Fascista não é apenas Mussolini”, diz
Pinheiro, ex-professor de ciências sociais na USP, onde ministrou cursos sobre
autoritarismo político.
“Falta a Bolsonaro o ultranacionalismo que marcou o fascismo
clássico, assim como o apoio da Igreja Católica. Mas ele tem várias das
características de um extremista: a mitificação do passado, o culto à
hierarquia, o anti-intelectualismo, o desprezo pelas regras democráticas.”
Cita como exemplo os reiterados elogios de Bolsonaro à
ditadura militar, como ao dizer, no dia 15, que o objetivo de seu governo seria
fazer “o Brasil semelhante àquele que tínhamos 40, 50 anos atrás”, período do
governo militar.
O italiano Fabio Gentile, professor de pensamento político
brasileiro na Universidade Federal do Ceará, também considera o termo
neofascista o mais apropriado. “Não acho correto dizer que ele é apenas
autoritário. Ele reproduz a linguagem do fascismo em muitos aspectos, como na
postura contra minorias e na descrença pelo Estado laico.”
Segundo Gentile, a ascensão de Bolsonaro reflete um traço
autoritário marcante da sociedade brasileira, componente essencial da
democracia híbrida no país, ainda não liberta de valores da ditadura.
“Não creio que implantará, se eleito, um Estado de exceção
no país, isso quase não ocorre mais. Mas podemos temer uma militarização da
sociedade, uma corrosão das liberdades civis.”
Rodrigo Jurucê, historiador da Universidade Estadual de
Goiás dedicado ao estudo dos totalitarismos de direita, tem opinião semelhante.
O fascismo adquiriu, diz, novas feições, tornou-se mais burocrático e menos um
movimento de massa.
No caso de Bolsonaro, identifica uma mescla de princípios
básicos do movimento —a negação dos direitos humanos, o preconceito sexual, o
autoritarismo— a outros do liberalismo, como o livre mercado.
“Esses grupos autocráticos fazem um uso pragmático das
ideologias. Os liberais abrem mão da democracia para ascenderem ao poder com
Bolsonaro. E os fascistas abrem mão do estatismo econômico.”
À luz da tradição histórica, outros pesquisadores adotam
posição mais cautelosa. O brasilianista Scott Mainwaring, professor da
Universidade Harvard (EUA), considera que o capitão reformado não seja
“exatamente um fascista ou neofascista”.
Toma como base a definição de Robert Paxton, professor
emérito da Universidade Columbia (EUA), um dos expoentes dos estudos acerca da
extrema direita. Segundo Paxton, fascismo é “uma forma de prática política
distintiva do século 20 dotada de uma agenda antiliberal, antissocialista,
nacionalista, violenta e socialmente excludente”.
Bolsonaro compartilha muitos desses atributos, aponta o
brasilianista: é um extremista de direita, antiliberal e anticomunista. Por
outro lado, há diferenças significativas. “Os líderes fascistas clássicos
mobilizaram grupos paramilitares. Bolsonaro não fará isso, mesmo que apoie a
participação de policiais e militares em execuções extrajudiciais.”
Esse fator também é destacado por Lawrence Rosenthal,
coordenador do centro de estudos da direita da Universidade de Berkeley (EUA),
para quem a classificação mais exata a Bolsonaro é populista de extrema
direita. “A característica marcante do fascismo é o casamento de um partido eleitoral
com uma milícia privada ou paramilitar. Não há isso em Bolsonaro.”
Dizer que o capitão reformado não é fascista, entretanto,
não ameniza seus pontos em comum com o fascismo, pondera Rosenthal. “Na maioria
dos casos, o apelo populista gira em torno de uma nostalgia de um período
anterior, muitas vezes imaginário. Entre as muitas variações desta nostalgia,
Bolsonaro é até agora único em postular seu ideal anterior como uma ditadura
militar.”
O historiador Francisco Martinho, especialista da USP em história
da direita, prefere caracterizá-lo como autoritário. “É tão intelectualmente
despreparado que não posso chamá-lo de fascista. Aposto que nunca leu um texto
fascista, é muito primário. Acho que no fascismo italiano seria um militante de
base, nunca alguém de destaque”, afirma.
A despeito da mudança nos discursos do candidato —antes em
defesa de um Estado forte e controlador, agora com viés ultraliberal—,
permanece, nota Martinho, um primado de desrespeito à sociedade civil, ao
direito de defesa, de legitimação da ditadura militar. “Apenas o discurso dele
na votação do impeachment de Dilma Rousseff deveria bastar para impedi-lo de
ser candidato”, argumenta.
Naquela ocasião, Bolsonaro saudou a memória do coronel
Carlos Alberto Brilhante Ustra, um dos principais símbolos da repressão e da
tortura durante a ditadura militar.
George Avelino, coordenador do Centro de Política e Economia
do Setor Público da Fundação Getulio Vargas, não nota no candidato, até o
momento, uma marca inequívoca do fascismo: a ambição totalitária de controle da
sociedade.
Nem todo autoritarismo é fascista, explica. Exemplo é a
ditadura militar instalada em 1964, na qual, a despeito de medidas extremas,
permaneceram algum grau de liberdade civil e espaço para a oposição.
“O uso reiterado do termo fascista acaba por alargar o
conceito, o que pode contribuir para esvaziá-lo.”
Avelino vê Bolsonaro como um extremista de direita,
extremamente conservador e sem apreço por valores democráticos. “É abominável
elogiar Ustra e defender a tortura, mas isso não faz dele um fascista.”
Na contramão desses pesquisadores, Denis Rosenfield,
professor aposentado de filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
não reconhece em Bolsonaro nenhuma característica de extrema direita. “Ele respeita
todas as regras eleitorais, prega a liberdade de expressão, defende a
independência dos Poderes. Cadê o fascismo?”, questiona.
Extremismo ele aponta na postura do PT —cita o elogio a
ditadores (Fidel Castro, Hugo Chávez) e o uso de grupo paramilitares (inclui
nessa categoria o MST). “No Brasil ocorre o seguinte: todos aqueles que
discordam do PT e da esquerda são tratados como fascistas”, diz.
Bolsonaro, define, é um líder populista de direita,
conservador nos costumes, com discurso inflamado contra o politicamente correto
—em resumo, uma posição política tradicional em democracias sólidas.
Frases controversas a respeito da ditadura e de minorais,
completa, são episódios infelizes que não bastam para chamá-lo de extremista.
Marco Rodrigo Almeida, repórter de Poder, foi coordenador de Artigos e
Eventos da Folha.
21/10/2018, Jornal FOLHA de SÃO PAULO
Nem sua tia nem seu 'crush' são fascistas
Jair Bolsonaro (PSL), que disputa o segundo turno da eleição
presidencial no próximo dia 28 e, segundo as pesquisas, vai se sagrar
vitorioso, é, sim, uma das expressões da direita brasileira. Mas de “novo” não
tem nada.
Sobre ele se pode dizer muita coisa, menos que seja liberal.
Na desconstrução das armadilhas intelectuais do esquerdismo, só aceito aulas em
javanês.
Aliás, e fica aqui a sugestão, Lula bem que podia aproveitar
o cárcere para escrever um livro de memórias nominando os bolsonaristas
delirantes de agora que lhe faziam mesuras interessadas ao tempo em que eu
desconstruía o PT. E o partido, claro!, pedia a minha cabeça, um vício dos
patriotas nativos, quase como fazer xixi na rua. É a farsa se repetindo e
fazendo história. Adiante.
Bolsonaro encarna a visão da direita à moda antiga,
antiliberal. Mas será um “fascista”, como se diz por aí? E seu eleitorado?
Comecemos por livrar da suspeita sua tia, seus vizinhos simpáticos, que o
chamam para tomar café com bolo de milho, e até seu “crush”. Para ficar nos
números do primeiro turno, que vão crescer, não há, felizmente!, mais de 49
milhões de fascistas no país.
A cada vez que me opus, por apreço ao Estado de Direito, à
revisão da Lei da Anistia, por exemplo, ganhei de presente a pecha:
“Fascista!”. É notório que a esquerda abusa do adjetivo para desqualificar um
ponto de vista divergente.
Inexiste uma “direita fascista”,
e isso inclui Bolsonaro, porque fascismo não há mais. Tal conceito não é uma
metáfora. Trata-se de uma forma de organizar o Estado e a sociedade que não
está dada. É inegável, no entanto, que há opiniões e práticas políticas
fascistoides, à moda dos fascistas. À direita e à esquerda.
Fascistoide é a campanha do candidato do PSL, com suas
milícias organizadas nas redes sociais para atacar todos aqueles que veem como
adversários; com sua produção, em escala estratosférica, de “fake news” as mais
odientas; com sua desenvoltura para ameaçar pessoas, para expor sua
privacidade, para patrulhá-las; com seu desassombro para rebaixar a crítica
justa à expressão mais asquerosa do preconceito.
“Nova direita”? A pregação de Bolsonaro, e lamento que assim
seja porque parte do eleitorado liberal foi tragado pela voragem, enfeixa o que
há de mais tacanho na luta ideológica.
Seu discurso e o de boa parte daqueles que mobiliza nas
redes trazem manifestações explícitas de misoginia, racismo, homofobia,
anticomunismo com sabor de Guerra Fria, incentivo velado e, às vezes,
escancarado à violência, ódio à imprensa livre, desprezo pela diversidade,
apreço pela ditadura, justificação da tortura e da ação de torturadores... O
que essa barbárie retórica tem a ver com liberalismo?
O candidato não é um fascista. Mas deixem que organize o
Estado à sua vontade e à de seus operadores, e se terá, sim, um Estado...
Fascista!
Ou não são eles a dizer que não aceitarão nem mesmo diálogo
com a oposição porque é composta de sabotadores da democracia? Os
oposicionistas, por acaso, não estarão igualmente legitimados pelo voto? O que
há de “novo” nessa direita que o velho fascismo já não tenha posto em prática?
Com habilidade, Bolsonaro soube capturar as frustrações e
insatisfações de milhões de brasileiros que sofreram as consequências do
desastroso governo Dilma, o primeiro pilar dessa arquitetura da destruição da
razão, e conectá-las com seu discurso brutalista. São tempos, e a história os
coleciona às pencas, em que os fatos nada podem contra os argumentos influentes
e, às vezes, contra a falta deles.
O iliberalismo do candidato não se manifesta apenas nesses
territórios afeitos, para ser genérico, aos direitos humanos e à cultura. O
Bolsonaro iliberal tem também uma expressão econômica, ainda que vazada, quando
é ele próprio a falar, por tartamudeios e anacolutos.
Paulo Guedes alimenta a ambição e a vaidade de ser o seu
Pigmaleão e de dar vida e pensamento àquele que imagina como sua escultura em
ação. Trata-se de uma ilusão do economista. Até porque, como se viu, quando se
fez necessário, foi Bolsonaro quem lhe impôs silêncio obsequioso, não o
contrário.
Os tais “mercados” se deixam enlear pelas promessas de
desvinculação dos gastos com saúde e educação, que têm previsão constitucional;
Orçamento de base zero e a promessa alucinada de arrecadar até R$ 1 trilhão com
a privatização de estatais irrelevantes e a venda de imóveis da União.
Quando o olhar de um liberal, e é o que sou, volta-se para o
que interessa, encontra a entrevista de Bolsonaro, concedida há pouco, negando
nestes termos a privatização do setor de geração de energia: “Suponha que você
tem um galinheiro no fundo da sua casa e viva dele. Quando privatiza, você não
tem a garantia de comer um ovo cozido. Nós vamos deixar a energia nas mãos de
terceiros?”.
A metáfora do galinheiro é recorrente em seu discurso. No
dia 7 de março, no ato de lançamento de sua candidatura à Presidência pelo PSL,
ele foi ainda mais claro, a seu modo, a respeito do tema: “Uma coisa é comprar
a galinha da sua casa, a outra é comprar o galinheiro. Tem país que está
comprando terras agriculturáveis no Brasil, o nosso subsolo. Não podemos
entregar nossas riquezas minerais, nossas terras agriculturáveis, nosso
subsolo, as nossas linhas de transmissão, nossas hidrelétricas para um país
estrangeiro. Sou pelas privatizações, sim, mas o que é estratégico tem que ser
preservado. Não são todos os casos que devemos partir para a privatização”.
Seria uma tolice sustentar que o liberalismo de Bolsonaro só
se revelaria autêntico se ele endossasse a privatização irrestrita, sem nenhum
critério. Mas o que vai acima é só uma maçaroca de conceitos mal digeridos. Ao
responder, tudo indica que ignorava o que dispõe o Artigo 176 da Constituição,
que faz uma distinção clara entre a propriedade do solo e a do subsolo, que é
da União; junto com este, estão as jazidas, em lavra ou não, e demais recursos
minerais e potenciais de energia hidráulica. O eventual sequestro das nossas
riquezas teria a devida vedação constitucional.
Ocorre que o ponto é outro. O presidenciável está
vocalizando, ainda que sem conhecimento de causa, um pensamento iliberal, este
sim estruturado, complexo e igualmente velho: o do estamento militar.
Oswaldo Ferreira, general da reserva que vai cuidar da
infraestrutura no governo Bolsonaro, deixou claro em entrevista à Folha:
“Considero que o refino e a distribuição de petróleo possam ficar com a
iniciativa privada. O caso da Eletrobras precisa ser conversado”. Destaque o
uso da primeira pessoa do singular, que vale pela primeira do plural. Está
dito.
Se o candidato soubesse direito o nome do que vocaliza, ele
deveria se dizer, no máximo, um geiselista, nunca um liberal. Poderia ser
também, e escrevo com galhofa e melancolia, um petista —ainda que, nos
costumes, virado pelo avesso. No dia 23 de abril de 2008, por ocasião dos 35
anos da Embrapa, o então presidente Lula elogiou os governos dos generais
Emílio Médici e Ernesto Geisel.
Bolsonaro não é um liberal, e liberal não será o seu
governo. A menos que mude de rumo.
A força que mobiliza parte considerável de seus seguidores
—as redes sociais o revelam de maneira insofismável— tem matriz
escancaradamente reacionária e pulsa há muito na sociedade brasileira, ainda
que reprimida há tempos pelo princípio da civilização.
Querem saber? Eu realmente não me importo com o sofrimento
da pessoa que se vê constrangida a calar seus preconceitos mais odientos.
Louvo, isto sim, o, quando menos, senso de decoro que a leva a reprimir a besta
primordial.
Troco o troglodita autêntico, e todos o trazemos estampado
naquela parte da alma em que mora a raiva, pelo ser manso por acomodação ou
conveniência. A hipocrisia que leva à tolerância é uma conquista civilizatória.
E sem ferir os Artigo 5º e 220 da Constituição, que garantem a liberdade de
expressão.
Ah, meus caros, não é preciso dar um duplo twist carpado na
argumentação para encontrar o próprio petismo na raiz da ascensão de uma figura
como Bolsonaro e disso a que se mal chama “nova direita”. Antes, o país se
dividia entre Nós e Eles; agora, entre Eles e Nós. A desqualificação rasteira
do “outro porque outro” é obra da mais legítima engenharia política petista.
Reparem como Bolsonaro transformou os governos do PT na sua
“herança maldita”, expressão de que Lula há de se lembrar muito bem lá na
cadeia —onde está, note-se, contra o que dispõe a Constituição, em decorrência
de numa condenação sem provas. E eis que chegamos, então, ao segundo pilar do
desatino —o outro, lembram-se?, é o desastre do governo Dilma—, que transformou
em novo demiurgo um reacionário sem muita imaginação.
A Lava Jato é o doutor Victor Frankenstein dessa criatura
política que aí está, composta por fragmentos das ilusões redentoras —e
corporativistas!— de procuradores, juízes e parte da imprensa, que
transformaram o necessário combate à corrupção não em um meio de aprimoramento
da política e da democracia, mas num fim em si mesmo, pouco importando o custo
da ação destrambelhada, que ignorou, com frequência escandalosa, o ordenamento
legal.
Não há, até agora, como evidencia Walfrido Warde no
excelente livro “O Espetáculo da Corrupção” (LeYa), marcos institucionais que
protejam o país da ação nefasta dos corruptos e corruptores, que têm de ser
processados e presos segundo as leis. Mas temos, sim, uma penca de empresas
quebradas. Além, e isto digo eu, do ódio generalizado à política e do
florescimento do populismo liberticida.
A propósito: Bolsonaro não se compromete em escolher o próximo
procurador-geral entre os nomes da lista tríplice, fruto da eleição direta —e,
com efeito, não prevista na Constituição— promovida pelo sindicato de
procuradores. A criatura se volta contra o criador. Como no livro de Mary
Shelley, uma mocinha bem mais esperta do que parte considerável da elite
brasileira.
O desastre decorrente da ação doidivanas não se restringiu à
economia. Os efeitos mais devastadores da razia estão na política. Se ninguém
presta, como evidencia a Lava Jato, então Lula é melhor. E Fernando Haddad está
no segundo turno. Se ninguém presta, incluindo Lula, então alguém que dirige a
sua pregação contra a própria política é melhor. Dois acenos sem futuro ao
passado: um ao lulismo, o outro, ao regime militar.
A Lava Jato é mesmo um prodígio. Vai eleger o presidente: o
anti-Lula. E já elegeu a oposição: Lula.
Nova direita? Como no discurso de Caetano Veloso ao criticar
a esquerda bocó, em 1968, escrevo 50 anos depois: “É a mesma direita que vai
sempre, sempre, matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem”. O Brasil é o
único país do mundo, em muitas décadas, que vai eleger um presidente da
República que promete combater o... Comunismo!
Com uma inovação, claro! Segundo a metafísica influente no
ambiente vitorioso, a Internacional Comunista está hoje associada à
Internacional Capitalista e Globalista, e ambas pretendem dominar o mundo por
intermédio do Foro de São Paulo, da ideologia de gênero, do feminismo e dos
maconheiros.
Querem a nossa alma, as nossas crianças e as nossas
galinhas.
O poder, com todas as enormes dificuldades que traz, pode
ser um bom conselheiro e amansar os espíritos? Sim. Mas também pode fazer o
contrário. Por enquanto, pergunto: o que esse hospício tem a ver com o
liberalismo ou com uma nova direita?
A mim, restam, então, as objeções de um liberal amoroso. No
máximo, ameaço as pessoas com textos longos.
By Reinaldo Azevedo, FSP, 21/10/2018, jornalista, é autor de ‘O País
dos Petralhas’ e colunista da Folha.
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