A PEC 55 e o DESASTRE para a EDUCAÇÃO
Entrevista de Claudia Costin
Em entrevista à Deutsche Welle Brasil, Claudia
Costin, diretora global de Educação do Banco
Mundial, afirma que os impactos da PEC
55, que congela gastos públicos por vinte anos, serão danosos às futuras
gerações de alunos. “O Brasil
continuará com o desastre educacional que tem hoje.”
Fonte: http://www.pragmatismopolitico.com.br/2016/12/banco-mundial-lamenta-pec-55-desastre-educacao.html
Claudia já foi secretária de Educação da cidade do Rio
de Janeiro, de Cultura do estado de São
Paulo e ministra da Administração e Reforma do governo de Fernando
Henrique Cardoso. Hoje, vive nos Estados
Unidos, onde leciona na Faculdade de Educação de Harvard. Segundo ela, é
imprescindível que o Brasil invista
mais nos salários e na formação dos professores para
aumentar a produtividade dos novos trabalhadores brasileiros.
“Se não conseguirmos avançar nessas medidas, estaremos condenados a
uma educação de baixa qualidade, e o Brasil não vai conseguir crescer
economicamente. O país será uma promessa falida“, afirma Claudia.
DW Brasil: Como a senhora avalia os impactos da PEC 55
para a educação?
Claudia Costin: Estamos com um problema sério e
de longo prazo. Acredito que a PEC 55 vai trazer danos graves para a educação,
sem ganhos significativos do ponto de vista fiscal. Não sou contra medidas de
austeridade. Houve uma gestão irresponsável das contas fiscais, gastando-se
mais do que se podia. Mas na tentativa de correção do problema, é fundamental
preservar a educação. Normalmente, quando países têm problemas fiscais, ao
menos os mais desenvolvidos, eles preservam a educação dos cortes. O Brasil
optou por não fazer isso. É uma grande pena.
Qual será o ponto mais prejudicado pelas novas regras
para investimentos em educação?
Muitos olham para os números e dizem que o Brasil já gasta
muito com educação. Isso não é verdade. Países que deram saltos na qualidade da
educação tiveram de aumentar os investimentos durante um certo período. Não
estamos fazendo o mesmo. Pelo contrário. Hoje, não investimos o suficiente no
ensino básico e pagamos mal os professores. Acredito que o mais complicado será
lidar com a questão da atratividade da profissão de professor, que vai
continuar baixa pelos próximos 20 anos. Caso não se estabeleça um mecanismo de
revisão logo (antes dos dez anos previstos pela proposta), o Brasil vai
continuar com o desastre educacional que tem hoje.
Quais serão as consequências de não se adotar esses
investimentos?
O impacto direto é condenar o Brasil a uma baixa qualidade
da educação das crianças por um período de 20 anos. Nenhum sistema educacional
é melhor que a qualidade de seus professores. Melhorar o salário do professor é
uma das medidas mais importantes para aumentar a atratividade da licenciatura,
para aqueles jovens que ainda vão escolher que profissão seguir. Pesquisas
mostram que os piores alunos tendem a escolher profissões de baixa
atratividade. Corrigir esses salários demanda um esforço importante, constante
e progressivo. Ao congelarmos os gastos por 20 anos, isso não poderá ser feito.
Não é a única medida para melhorar a educação, mas é uma das mais importantes.
O que pode ser feito para melhorar a educação no país,
independentemente da quantidade de recursos investidos?
O ideal seria, pelo menos, aprovar revisões dos valores dos
investimentos antes dos dez anos – como prevê a PEC 55. Mas mesmo se isso não
passar, será preciso mudar a universidade que forma os professores. Tornar a
faculdade de educação e a licenciatura mais profissionalizantes, preparar
melhor os universitários para a profissão de professor. Também temos de pensar
na criação de um processo de ensino mais adequado para os jovens e adotar um
currículo nacional comum (a base nacional curricular comum já está em processo
de elaboração pelo governo), que defina claramente as expectativas de
aprendizagem dos alunos brasileiros.
É preciso que este currículo seja muito mais adequado para
as demandas do século 21: que forme jovens que saibam pensar, aplicar conceitos
em situações reais, ler e interpretar textos de forma analítica. Tudo isso
demanda um professor mais bem preparado. É um esforço que temos de fazer
independentemente da PEC do teto dos gastos públicos.
Em que sentido é preciso melhorar a formação dos
professores?
Hoje, a formação dos professores é excessivamente focada nos
fundamentos da educação, como sociologia da educação, história da educação,
filosofia da educação. Os currículos das universidades que formam professores
trabalham muito pouco com a prática. Os cursos de Engenharia e Medicina, por
exemplo, preparam o futuro engenheiro ou médico com uma abordagem prática e
reflexão sobre a prática muito maior.
Em educação, isso não acontece. É urgente mudar os
currículos de formação de professores pelas universidades e os concursos
públicos das secretarias municipais e estaduais de educação para selecionar
professores que, durante sua formação, tenham desenvolvido sua competência de
ensinar de forma mais prática, com maior enfoque na didática.
Caso essas mudanças não sejam adotadas, como a senhora vê
o país daqui a 20 anos?
Vejo o país estagnado. Uma das questões mais preocupantes
que observamos na economia brasileira é a da produtividade, que está estagnada
em um patamar muito baixo. Com uma produtividade baixa, e ela tem uma
correlação importante com a qualidade da educação e o crescimento econômico de
longo prazo, não vamos crescer. Com menos investimentos em educação, não vamos
conseguir preparar os jovens para o futuro do mercado de trabalho. Hoje, vários
cargos que demandam atividades manuais e intelectuais rotineiras estão se
tornando obsoletos e desaparecendo por causa da automação do trabalho.
O que está sendo cada vez mais valorizado no mercado é a
capacidade de criação, concepção, reflexão crítica, comunicação. E essas
habilidades dependem de uma educação mais sofisticada e de melhor qualidade. Se
não conseguirmos avançar nessas medidas, estaremos condenados a uma educação de
baixa qualidade, e o Brasil não vai conseguir crescer economicamente. O país
será uma promessa falida. O que garante o crescimento econômico de longo prazo,
especialmente inclusivo, que diminua a desigualdade, é a educação de qualidade.
Se o Brasil colocar no seu projeto de nação a educação como um eixo
estruturador, e investir nela, poderemos ser um país diferente.
A senhora conhece outros países que já adotaram medidas
semelhantes ao que a PEC 55 propõe para a educação?
Não. No Brasil, quem usa os serviços de educação e saúde
públicas são, em geral, as pessoas mais pobres. A classe média frequenta pouco
as escolas públicas e os serviços de saúde do governo. Num país tão desigual
como o nosso, estaremos atingindo os mais pobres. Com certeza, há outras formas
de cortar gastos sem prejudicar investimentos em educação e saúde.
Em oposição à PEC 55 e à Medida Provisória da reforma do
Ensino Médio (que, entre outros pontos, diminui a quantidade de disciplinas
obrigatórias da grade curricular), milhares de estudantes ocuparam escolas de
todo o país. Como a senhora avalia este movimento estudantil?
Durante muito tempo, o sistema educacional brasileiro tratou
os jovens de forma um pouco infantilizada, como se não pudessem ser
protagonistas de sua própria vida escolar. Na Finlândia, por exemplo [país com
desempenho educacional excelente], as escolas não chamam os pais para discutir
comportamento de alunos de Ensino Médio. Eles chamam o próprio aluno. O
estudante tem de perceber que a educação dele depende do seu protagonismo. Ele
é o principal ator na construção dos seus sonhos e na sua vida escolar. Quem
vai sair perdendo se a qualidade da educação ficar congelada ou se deteriorar
ainda mais vai ser justamente esta geração.
Por isso, vejo esse movimento estudantil de forma positiva,
embora eu concorde que o ensino médio brasileiro, com uma média de quatro horas
de aula por dia e 13 disciplinas, está insustentável. Precisamos criar trilhas
diferentes de educação, em que o aluno possa escolher disciplinas e não cursar
durante os três anos as 13, ou 15 em alguns estados, matérias obrigatórias. Se
olharmos para os 30 primeiros países no ranking do Pisa, nenhum deles têm mais
de seis matérias, e todos têm carga horária maior que quatro horas de aula por
dia. É uma pena que a reforma tenha sido proposta por medida provisória, mas ao
meu ver ela é necessária.
O Brasil obteve resultados ruins no Programa
Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) em 2015, ocupando a 59ª posição
em leitura, 63ª em ciências e 66ª em matemática, de um total de 70 países
avaliados. Por que o desempenho brasileiro foi tão fraco?
O Brasil está estagnado há várias edições do ranking. O Pisa
enfatiza a área de ciências, de letramento científico. Em primeiro lugar,
estamos com professores muito mal formados para sua função. A universidade não
prepara adequadamente professores no Brasil. Um professor de química, por
exemplo, tem em média três anos e meio de aulas de química e um ano, ou menos,
de aulas de fundamentos da educação. Mas não aprende a didática da química, ele
não aprende a ensinar os alunos a pensar cientificamente. A prova Pisa pede
exatamente esta competência: aplicar conceitos científicos para resolver
problemas do dia a dia.
Os nossos professores não estão sendo preparados para isso.
Além disso, dada a baixa atratividade da carreira, considerando os salários,
condições e perspectivas, os melhores alunos do ensino médio não escolhem
tornar-se professores. E mesmo os que já estão na faculdade de Química, Física
e Biologia, por exemplo, na hora de fazer a licenciatura, optam apenas pelo
bacharelado, porque o mercado paga muito mais que a sala de aula. A somatória
das duas coisas, a baixa preparação da universidade e os salários reduzidos,
explica boa parte do problema.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Fique à vontade para comentar...