A QUEDA DE CUNHA-05-05-2016
Teori antecipa liminar e afasta tentativa de golpe no
impeachment de Marina, Marco Aurélio e Lewandowski A trama é rocambolesca, mas,
acreditem!, verdadeira. Se você tem a impressão de que a esculhambação já
chegou ao Supremo, então está certo!
Eduardo Cunha vai ser destituído da Presidência da Câmara?
Acho bom para o Brasil e para o futuro presidente, Michel Temer. Dito isso,
vamos ver.
Se você está com a impressão, leitor amigo, de que a
esculhambação ameaça romper o cerco e chegar ao Supremo, então é um otimista.
Isso já aconteceu.
A Procuradoria-Geral da República havia entrado com uma Ação
Cautelar, no fim do ano passado, para afastar Eduardo Cunha da Presidência da
Câmara, acusando-o de usar o cargo para obstruir o processo que contra ele
corre no Conselho de Ética. A decisão estava a cargo de Teori Zavascki, que não
tinha estabelecido uma data para decidir.
A situação é complexa. O Supremo destituir o presidente da
Câmara não é coisa corriqueira. Quem quer que leia a Ação Cautelar de Rodrigo
Janot vai constatar que se trata de um conjunto de ilações, sem a evidência
fática de que Cunha transgrediu, de fato, o Regimento Interno da Casa para se
manter no poder. Afinal, uma coisa é rasgar o Regimento; outra, diferente, é
saber jogar com ele, ainda que com maus propósitos. Adiante.
A Rede, partido que milita fanaticamente contra o
impeachment — embora tente disfarçar os seus propósitos —, entrou com uma ADPF
— Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental — pedindo a destituição de
Cunha, sustentando que ele não pode estar na linha sucessória. Afinal, é réu no
Supremo. Argumentação: se um presidente não pode ser réu, e por isso Dilma será
afastada, seu substituto temporário também não. Quando Temer assumir o comando
do país, Cunha é que ocuparia seu lugar nos períodos de eventuais viagens fora
do país.
Muito bem! O relator da ADPF é o ministro Marco Aurélio.
Para começo de conversa, ele nem deveria ter reconhecido o instrumento. No país
do habeas corpus preventivo, temos agora a ADPF preventiva. Logo teremos o
Mandado de Segurança Preventivo e a Ação Direta de Inconstitucionalidade
Preventiva. Vale dizer: eu adivinho o que o outro vai fazer e já recorro à
Justiça.
Mas Marco Aurélio reconheceu. Não só reconheceu como
mobilizou Ricardo Lewandowski para atropelar a pauta do Supremo e pôr a ADPF em
votação. Qual seria o resultado? Não sabemos. O fato é que a petição da Rede
sugere que todos os atos praticados por Cunha no exercício da Presidência da
Câmara são ilegítimos porque estariam violando preceitos fundamentais.
Em casos assim, cumpre ao Supremo modular a decisão, vale
dizer: se algo foi feito enquanto um preceito fundamental estava sendo violado,
então é preciso reparar de algum modo o dano. É claro que isso abriria uma
janela retórica ao menos para questionar o impeachment, já que, na sua
trajetória, há a decisão inaugural de Cunha: recebeu a denúncia.
Marco Aurélio e Lewandowski atropelaram Teori Zavascki e se
preparavam para transformar o Supremo num palco — a palavra que me ocorre é
outra, mas fiquemos por aqui mesmo. Dificilmente o Supremo acataria — ou
acatará — a tentativa de anular o processo de impeachment na Câmara, mas a dupla
do barulho forneceria munição a essa tese.
Marina Silva, enquanto isso, ajeitaria o seu xale e faria cara de santa
do pau oco da floresta.
Teori se antecipou
Sentindo o fedor da tentativa de golpe, Teori passou a noite
trabalhando e, em decisão liminar, afastou Cunha da Presidência da Câmara. Ora,
uma liminar de Ação Cautelar tem efeito imediato e, portanto, tem precedência
sobre ADPF. Assim, os ministros terão de se posicionar sobre a decisão de
Teori, que deve ser endossada, e a ADPF fica prejudicada, bem como a tentativa
do partido de Marina Silva e, tudo indica, de dois ministros do Supremo ao
menos de melar o processo do impeachment.
Instituições
É claro que Cunha está muito bem afastado. Há muito já
deveria ter sido cassado. Mas não é menos evidente que o protagonismo do
Supremo nesse caso é indesejado.
Por que o governo não gostou na decisão de Teori? Porque
tirou o palco para o proselitismo de Marco Aurélio e Lewandowski. Tanto estava
o Planalto preparado para a ação que José Eduardo Cardozo já anunciou que vai
usar a decisão de Teori como base para um novo pedido de anulação do processo
na Câmara. Vai usar e sabe que será malsucedido porque nada na liminar dá azo a
essa possibilidade.
A síntese das sínteses é esta: ao se antecipar, Teori afastou
uma tentativa de golpe no impeachment desfechada pelo Planalto, com o auxílio
luxuoso de Marco Aurélio, Lewandowski e Marina Silva.
Reinaldo Azevedo 05/05/2016 às 15:37
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Nota: próximo do encerramento da sessão, o ministro Barroso quis ouvir os argumentos dos advogados da Rede, alegando que eles teriam vindo de muito longe para Brasília. No entanto, felizmente, a ministra Carmen Lúcia interveio dizendo que a sessão tinha sido longa e cansativa e, portanto, poderia ficar para outra oportunidade... Tradução: Barroso não seria um estranho à manobra desejada por Marina, Marco Aurélio e Lewandovski...
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Estou contente com a decisão, a exemplo da maioria, mas não tem amparo
constitucional
Decisão de Teori desarmou palanque no qual Marco Aurélio, Lewandowski
e, quem sabe?, Roberto Barroso pretendiam discursar
Vamos lá. Estou contente que Eduardo Cunha (PMDB-RJ) tenha
sido afastado de seu mandato e que não esteja mais na Presidência da Câmara. Já
escrevi aqui algumas dezenas de vezes: acho que ele tem de ser cassado. Mais
ainda: penso que o afastamento é positivo para o governo Michel Temer porque
não é segredo pra ninguém que, para qualquer presidente da República, mesmo um
aliado, é melhor um Cunha fraco do que um forte.
Mas não escrevo pensando apenas em amanhã e depois de
amanhã. Não abro mão de um princípio: na democracia, melhor uma solução ruim
amparada na Constituição do que uma boa amparada no arbítrio. A boa decisão
contra a Carta acabará fatalmente virando um erro; a má decisão a favor da
Carta acabará fatalmente sendo um acerto.
Quase todos os ministros que tinham ciência do peso do que
estavam votando — o próprio Teori, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Celso de Mello
— chamaram a atenção para o caráter excepcional da medida. Tanto é assim, meus
caros, que estamos diante de um fato inédito.
Que fique claro: não existe amparo na Constituição para a
decisão que foi tomada. O fato de eu estar contente com o afastamento de Cunha
não me deixa contente com o horizonte que se abre com essa decisão. Como
esquecer? Delcídio do Amaral foi flagrado tentando obstruir a Justiça e a
investigação da Lava Jato. Nem importa saber se seu plano era ou não
mirabolante e inexequível. De tal sorte foi considerado grave o que fez que
teve a prisão decretada pelo Supremo. E, no entanto, conservou o seu mandato.
Como suspender o mandato de quem não foi preso?
Notem: um político pode, sim, ir para a cadeia, mas
permanece com o seu mandato. Vimos isso acontecer nas condenações do mensalão.
Não estou sozinho no meu estranhamento. Em entrevista à
Folha, Eloísa Machado, professora do curso de direito da Fundação Getúlio
Vargas em São Paulo e Coordenadora do projeto “Supremo em Pauta”, que estuda o
tribunal, também expressa certa perplexidade e vai ao ponto: “É evidente que
uma decisão dessas tem um impacto enorme no sistema político. Imagine o
seguinte: todos os deputados que são réus serão afastados? Ou isso só vale para
o Cunha?”
É uma boa pergunta. Os ministros, em seus respectivos votos,
tentaram, de algum modo, tranquilizar a todos: “Olhem, isso não vai virar um
hábito…” Pois é. Por que não?
Faço minhas as palavras da professora Eloísa Machado: “Essa
decisão me dói porque o Cunha não deveria estar na presidência da Câmara, mas,
ao mesmo tempo, fica uma sensação de insegurança porque a decisão está fora dos
parâmetros constitucionais.”
Bastidores
É claro que, a isso tudo, faltam bastidores, não é? Parece
que Teori Zavascki, com efeito, vinha evitando tratar da Ação Cautelar movida
pela Procuradoria Geral da República porque sabia do risco que ela trazia.
Mas aí surgiu a ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental) da Rede, que caiu nas mãos de Marco Aurélio. Serelepe, ele
conseguiu pautar a matéria com Ricardo Lewandowski. Já tratei do assunto aqui.
Tratava-se de um ADPF preventiva, argumentando que a permanência de Cunha na
Câmara feria preceitos fundamentais e que ele não poderia estar na linha sucessória,
uma vez que é réu. Nota: nada disso está na Constituição.
Armava-se um palco para Marco Aurélio questionar as decisões
do presidente da Câmara, incluindo o primeiro ato de aceitação da denúncia que
resultou no impeachment. Teori houve por bem conceder, então, a sua liminar.
Cuidou menos da questão da linha sucessória do que dos atos que, entendeu ele,
Cunha tomou para obstruir a investigação.
O palanque no qual Marco Aurélio, Lewandowski e, quem sabe?,
Roberto Barroso poderiam discursar foi desfeito. Isso pode explicar essa
quinta-feira estranha. Mas não deve tranquilizar ninguém.
Cunha está afastado da Câmara e não preside mais a Casa.
Isso, em si, é bom. Mas, do ponto de vista institucional, estamos um pouco mais
enrolados, acreditem.
Reinaldo Azevedo 06/05/2016 às
3:54
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