Afinal, qual a função do Ministério Público? Vem fazendo o que diz a Constituição ou não? Temos que temer alguma coisa como cidadãos?
E o promotor do Rio de Janeiro virou carcereiro! Que coisa, não?
Há coisas que doem ao serem escritas. Sempre que alguém do
Ministério Público faz alguma diatribe, fico com dois corações. Por isso, tenho
alertado o Ministério Público sobre os perigos que corre a instituição em face
de constantes “ameaças legislativas” de retirada de prerrogativas, poderes,
etc.
Participei dos preparativos para a Constituinte. Estava
ingressando no Ministério Público, então. Os parlamentares fizeram um ótimo
trabalho. Colocaram o Ministério Público como algo à parte, como que a
homenagear aquele que considero patrono da instituição, Alfredo Valadão (quem
escreveu sobre isso na década de 50 do século passado), cujo mantra recitei na
minha prova de tribuna: o MP é instituição que, para além dos Poderes
tradicionais, deve defender a sociedade, denunciando abusos, vindos deles de
onde vierem, inclusive do próprio Estado (leia-se, o próprio MP e o Poder
Judiciário).
Durante 28 anos atuei seguindo a Constituição. Com Alfredo
Valadão na mente. Como uma magistratura. Tristemente, vejo, hoje, membros da
instituição despreparados para esse nobre ofício. Uns querendo ser policiais,
outros juízes e, agora tem uma nova categoria: a dos carcereiros.
Nesse sentido, falo do promotor do Rio de Janeiro André
Guilherme que determinou — sim, ele determinou — que o ex-governador Sérgio
Cabral fosse colocado na cela de isolamento (leia
aqui). Consta que Cabral não teria obedecido de imediato a “ordem” de se
perfilar e que não aceitara, aos gritos, ser chamado de “interno”. Isso foi
interpretado como uma forma de incitamento da desordem no presidio. E, por
isso, a “ordem” do promotor de Justiça, verbalmente — registre-se. O juiz,
constrangido, anulou o ato. E criticou veementemente o ato do promotor de
Justiça. Não sem que o ex-governador tenha passado por horas no isolamento.
O que passa — ou passou — pela cabeça do promotor de
Justiça? Dele e de outros membros da instituição, como os que assinam manifestos contra a “bandidolatria” (sic) e que fazem
palestras, aos gritos, dizendo que advogado que defende bandido, bandido é. Outra palavra da moda: “democídio” (sic).
Criminalização da advocacia: eis um produto que cresce dia a dia no mercado
ministerial.
Que feio isso. Falei com dois ilustres deputados
constituintes que fizeram das tripas o coração na Constituinte para catapultar
o MP, de simples órgão estatal, a um quase-Poder. E eles disseram: o que
vemos hoje por aí... não foi isso que pensamos, com gente do MP indo às redes
sociais para defender projetos que, entre outras coisas, restringe o sagrado
direito de Habeas Corpus e institucionaliza a prova ilícita. Afora coisas como
pregação de inversão do ônus da prova e que prova é uma questão de fé ou
crença...
Ministério Público foi feito não para ser perseguidor e
acusador sistemático. Aliás, aprendi com promotores de Justiça como
Voltaire de Lima Moraes , Francisco Luçardo, Cláudio Barros Silva e Sérgio
Gilberto Porto, que foram procuradores-gerais de Justiça: o Ministério Público,
a partir de 1988, é outra instituição, sempre disseram. Agora é uma espécie
de ombudsman, fiscal do povo ou fiscal contra os atos do próprio
Estado, como dizia Valadão.
E vai um recado (fica só entre nós, que ninguém nos ouça)
para promotores como André: estou aposentado, depois de quase 30 anos de
trabalho e, no Brasil, pouco se respeita direitos adquiridos. Do jeito que você
e outros membros da instituição estão fazendo diatribes e arbitrariedades,
tenho muito medo de minha aposentadoria. E falo por dezenas de colegas
aposentados, hoje com medo do efeito bumerangue. O que se atira para cima, cai.
Portanto, Dr. André, o MP não é seu; não nasceu a partir de seu concurso; o MP
é mais antigo. Vamos preservá-lo. Vamos agir como magistrados; vamos fazer como
consta no Código Processual da Alemanha (e o Estatuto de Roma), em que o MP, ao
investigar, deve também investigar a favor da defesa. Vamos cuidar para que a
Defensoria Pública não seja a antítese de uma tese persecutória furada. E,
atenção: não é só no crime que o MP apresenta problemas; no cível a ausência de
participação em processos importantes (inclusive em execuções fiscais) já está
gerando “frutos” antitéticos: a Defensoria cresce, fazendo o “custos
vulnerabilis” (seja lá o que isto quer dizer, mas a ideia cresce).
Preste atenção, doutor. Assim como o MP deve estar atento.
Agir conforme a Constituição quer dizer que não deve a instituição denunciar
por denunciar. Processar por processar. Ela não deve ter lado. O lado é a
sociedade. O réu também tem direitos. Já não basta o Tribunal Regional Federal da
4ª Região ter dito que o MP não necessita ser isento (item 9 do acórdão do
caso Lula)? Isso não acendeu a — ou uma — luz amarela na instituição?
Já não basta a decisão do Supremo Tribunal Federal que tirou do MP a
exclusividade de fazer delações? Por que, será? Esse recado não foi entendido?
Precisa desenhar? E o que dizer da decisão do STF sobre legitimidade de a
Defensoria Pública propor ACP [AÇÃO CIVIL PÚBLICA], em claro recado
ao MP? Não existe almoço grátis. Aqui se faz, aqui se paga.
Finalmente, conclamo aos membros do MP nacional a repudiarem
atos atentatórios àquilo que a Constituição colocou como função da instituição.
E o promotor André deveria pedir desculpas à sociedade, que é seu patrão, pelo
seu ato autoritário.
Ainda há tempo para retomar o bom caminho institucional. E
dizer não ao item 9 do acordão do TRF-4. O MP deve dizer, clara e publicamente,
que o Ministério Público é, sim, uma instituição isenta; seu perfil
constitucional é claro. Se fosse para não ser isento-imparcial, não teria recebido
as garantias iguais às da magistratura.
Se for para ser um mero persecutor e
sair gritando por aí, provavelmente o Estado substituirá a instituição por
escritórios particulares, como ocorre em alguns países.
Simples assim.
E muito complexo também.
26 de julho de 2018, 8h00
Mestre , fui seu aluno no Arte e Instrução . Bom saber que estas na ativa. Me informe um email para contato ou uma página para podermos n9s comunicar
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