O documento a seguir
foi decisivo para o desencadeamento da Reforma Protestante. Martinho Lutero
demonstra numa linguagem fácil e nada rebuscada que a VENDA de INDULGÊNCIAS,
autorizada pelo Papa, era uma falácia que contraditava com a verdadeira Fé na
Salvação.
Observe-se no texto que Lutero __ cujo intuito era, a princípio, corrigir abusos __ é ainda reverente ao Papa e ao poder da Igreja.
Divulgadas as Teses, a perseguição a Lutero ameaçando-lhe a vida, obrigou o monge agostiniano a RADICALIZAR, desconhecendo a autoridade do Papa. Daí, em 1520, ter queimado em praça pública a bula papal que o excomungava.
Na leitura das Teses, várias referências sugerem a prática de abusos e arbitrariedades contra os cidadãos. Dão a entender que os vendedores de Indulgências estavam mais preocupados com o dinheiro do que com a Graça do Evangelho.
LEIAM! E entendem o porquê de Lutero ter razão.
Debate
para o esclarecimento do valor das indulgências
pelo Dr. Martin Luther, 1517
Por amor à verdade e no empenho
de elucidá-la, discutir-se-á o seguinte em Wittenberg, sob a presidência do
reverendo padre Martinho Lutero, mestre de Artes e de Santa Teologia e
professor catedrático desta última, naquela localidade. Por esta razão, ele
solicita que os que não puderem estar presentes e debater conosco oralmente o
façam por escrito, m esmo que ausentes. Em nome do nosso Senhor Jesus Cristo.
Amém.
1 Ao dizer: "Fazei penitência", etc. [Mt 4.17],
o nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo quis que toda a vida dos fiéis fosse
penitência.
2 Esta penitência não pode ser entendida como penitência
sacramental (isto é, da confissão e satisfação celebrada pelo ministério dos
sacerdotes).
3 No entanto, ela não se refere apenas a uma penitência
interior; sim, a penitência interior seria nula, se, externamente, não
produzisse toda sorte de mortificação da carne.
4 Por conseqüência, a pena perdura enquanto persiste o
ódio de si mesmo (isto é a verdadeira penitência interior), ou seja, até a
entrada do reino dos céus.
5 O papa não quer nem pode dispensar de quaisquer penas
senão daquelas que impôs por decisão própria ou dos cânones.
6 O papa não pode remitir culpa alguma senão declarando e
confirmando que ela foi perdoada por Deus, ou, sem dúvida, remitindo-a nos
casos reservados para si; se estes forem desprezados, a culpa permanecerá por
inteiro.
7 Deus não perdoa a culpa de qualquer pessoa sem, ao mesmo
tempo, sujeitá-la, em tudo humilhada, ao sacerdote, seu vigário.
8 Os cânones penitenciais são impostos apenas aos vivos;
segundo os mesmos cânones, nada deve ser imposto aos moribundos.
9 Por isso, o Espírito Santo nos beneficia através do papa
quando este, em seus decretos, sempre exclui a circunstância da morte e da
necessidade.
10 Agem mal e sem conhecimento de causa aqueles sacerdotes
que reservam aos moribundos penitências canônicas para o purgatório.
11 Essa erva daninha de transformar a pena canônica em
pena do purgatório parece ter sido semeada enquanto os bispos certamente
dormiam.
12 Antigamente se impunham as penas canônicas não depois,
mas antes da absolvição, como verificação da verdadeira contrição.
13 Através da morte, os moribundos pagam tudo e já estão
mortos para as leis canônicas, tendo, por direito, isenção das mesmas.
14 Saúde ou amor imperfeito no moribundo necessariamente
traz consigo grande temor, e tanto mais, quanto menor for o amor.
15 Este temor e horror por si sós já bastam (para não
falar de outras coisas) para produzir a pena do purgatório, uma vez que estão
próximos do horror do desespero.
16 Inferno, purgatório e céu parecem diferir da mesma
forma que o desespero, o semidesespero e a segurança.
17 Parece desnecessário, para as almas no purgatório, que
o horror diminua na medida em que cresce o amor.
18 Parece não ter sido provado, nem por meio de argumentos
racionais nem da Escritura, que elas se encontram fora do estado de mérito ou
de crescimento no amor.
19 Também parece não ter sido provado que as almas no
purgatório estejam certas de sua bem-aventurança, ao menos não todas, mesmo
que nós, de nossa parte, tenhamos plena certeza.
20 Portanto, sob remissão plena de todas as penas, o papa
não entende simplesmente todas, mas somente aquelas que ele mesmo impôs.
21 Erram, portanto, os pregadores de indulgências que afirmam que a
pessoa é absolvida de toda pena e salva pelas indulgências do papa.
22 Com efeito, ele não dispensa as almas no purgatório de uma única pena que, segundo os cânones, elas deveriam ter pago nesta vida. 23 Se é que se pode dar algum perdão de todas as penas a alguém, ele, certamente, só é dado aos mais perfeitos, isto é, pouquíssimos. 24 Por isso, a maior parte do povo está sendo necessariamente ludibriada por essa magnífica e indistinta promessa de absolvição da pena. 25 O mesmo poder que o papa tem sobre o purgatório de modo geral, qualquer bispo e cura tem em sua diocese e paróquia em particular. 26 O papa faz muito bem ao dar remissão às almas não pelo poder das chaves (que ele não tem), mas por meio de intercessão. 27 Pregam doutrina humana os que dizem que, tão logo tilintar a moeda lançada na caixa, a alma sairá voando [do purgatório para o céu]. 28 Certo é que, ao tilintar a moeda na caixa, podem aumentar o lucro e a cobiça; a intercessão da Igreja, porém, depende apenas da vontade de Deus. 29 E quem é que sabe se todas as almas no purgatório querem ser resgatadas? Dizem que este não foi o caso com S. Severino e S. Pascoal.
30 Ninguém tem certeza da veracidade de sua contrição,
muito menos de haver conseguido plena remissão.
31 Tão raro como quem é penitente de verdade é quem adquire
autenticamente as indulgências, ou seja, é raríssimo.
32 Serão condenados em eternidade, juntamente com seus
mestres, aqueles que se julgam seguros de sua salvação através de carta de
indulgência.
33 Deve-se ter muita cautela com aqueles que dizem serem
as indulgências do papa aquela inestimável dádiva de Deus através da qual a
pessoa é reconciliada com Deus.
34 Pois aquelas graças das indulgências se referem somente
às penas de satisfação sacramental, determinadas por seres humanos.
35 Não pregam cristãmente os que ensinam não ser
necessária a contrição àqueles que querem resgatar ou adquirir breves
confessionais.
36 Qualquer cristão verdadeiramente arrependido tem direito à
remissão pela de pena e culpa, mesmo sem carta de indulgência.
37 Qualquer cristão verdadeiro, seja vivo, seja morto, tem
participação em todos os bens de Cristo e da Igreja, por dádiva de Deus,
mesmo sem carta de indulgência.
38 Mesmo assim, a remissão e participação do papa de forma
alguma devem ser desprezadas, porque (como disse) constituem declaração do
perdão divino.
39 Até mesmo para os mais doutos teólogos é dificílimo
exaltar perante o povo ao mesmo tempo, a liberdade das indulgências e a
verdadeira contrição.
40 A verdadeira contrição procura e ama as penas, ao passo
que a abundância das indulgências as afrouxa e faz odiá-las, pelo menos dando
ocasião para tanto.
41 Deve-se pregar com muita cautela sobre as indulgências
apostólicas, para que o povo não as julgue erroneamente como preferíveis às
demais boas obras do amor.
42 Deve-se ensinar aos cristãos que não é pensamento do
papa que a compra de indulgências possa, de alguma forma, ser comparada com
as obras de misericórdia.
43 Deve-se ensinar aos cristãos que, dando ao pobre ou
emprestando ao necessitado, procedem melhor do que se comprassem
indulgências.
44 Ocorre que através da obra de amor cresce o amor e a
pessoa se torna melhor, ao passo que com as indulgências ela não se torna
melhor, mas apenas mais livre da pena.
45 Deve-se ensinar aos cristãos que quem vê um carente e o
negligencia para gastar com indulgências obtém para si não as indulgências do
papa, mas a ira de Deus.
46 Deve-se ensinar aos cristãos que, se não tiverem bens
em abundância, devem conservar o que é necessário para sua casa e de forma
alguma desperdiçar dinheiro com indulgência.
47 Deve-se ensinar aos cristãos que a compra de
indulgências é livre e não constitui obrigação.
48 Deve-se ensinar aos cristãos que, ao conceder
indulgências, o papa, assim como mais necessita, da mesma forma mais deseja
uma oração devota a seu favor do que o dinheiro que se está pronto a pagar.
49 Deve-se ensinar aos cristãos que as indulgências do
papa são úteis se não depositam sua confiança nelas, porém, extremamente
prejudiciais se perdem o temor de Deus por causa delas.
50 Deve-se ensinar aos cristãos que, se o papa soubesse das exações
dos pregadores de indulgências, preferiria reduzir a cinzas a Basílica de S.
Pedro a edificá-la com a pele, a carne e os ossos de suas ovelhas.
51 Deve-se ensinar aos cristãos que o papa estaria disposto - como é seu dever - a dar do seu dinheiro àqueles muitos de quem alguns pregadores de indulgências extraem ardilosamente o dinheiro, mesmo que para isto fosse necessário vender a Basílica de S. Pedro. 52 Vã é a confiança na salvação por meio de cartas de indulgências, mesmo que o comissário ou até mesmo o próprio papa desse sua alma como garantia pelas mesmas. 53 São inimigos de Cristo e do papa aqueles que, por causa da pregação de indulgências, fazem calar por inteiro a palavra de Deus nas demais igrejas.
54 Ofende-se a palavra de Deus quando, em um mesmo sermão,
se dedica tanto ou mais tempo às indulgências do que a ela.
55 A atitude do papa é necessariamente esta: se as
indulgências (que são o menos importante) são celebradas com um toque de
sino, uma procissão e uma cerimônia, o Evangelho (que é o mais importante)
deve ser anunciado com uma centena de sinos, procissões e cerimônias.
56 Os tesouros da Igreja, dos quais o papa concede as indulgências, não são suficientemente mencionados nem conhecidos entre o povo de Cristo. 57 É evidente que eles, certamente, não são de natureza temporal, visto que muitos pregadores não os distribuem tão facilmente, mas apenas os ajuntam. 58 Eles tampouco são os méritos de Cristo e dos santos, pois estes sempre operam, sem o papa, a graça do ser humano interior e a cruz, a morte e o inferno do ser humano exterior. 59 S. Lourenço disse que os pobres da Igreja são os tesouros da mesma, empregando, no entanto, a palavra como era usada em sua época. 60 É sem temeridade que dizemos que as chaves da Igreja, que lhe foram proporcionadas pelo mérito de Cristo, constituem este tesouro. 61 Pois está claro que, para a remissão das penas e dos casos, o poder do papa por si só é suficiente. 62 O verdadeiro tesouro da Igreja é o santíssimo Evangelho da glória e da graça de Deus. 63 Este tesouro, entretanto, é o mais odiado, e com razão, porque faz com que os primeiros sejam os últimos. 64 Em contrapartida, o tesouro das indulgências é o mais benquisto, e com razão, pois faz dos últimos os primeiros. 65 Por esta razão, os tesouros do Evangelho são as redes com que outrora se pescavam homens possuidores de riquezas. 66 Os tesouros das indulgências, por sua vez, são as redes com que hoje se pesca a riqueza dos homens. 67 As indulgências apregoadas pelos seus vendedores como as maiores graças realmente podem ser entendidas como tal, na medida em que dão boa renda. 68 Entretanto, na verdade, elas são as graças mais ínfimas em comparação com a graça de Deus e a piedade na cruz. 69 Os bispos e curas têm a obrigação de admitir com toda a reverência os comissários de indulgências apostólicas. 70 Têm, porém, a obrigação ainda maior de observar com os dois olhos e atentar com ambos os ouvidos para que esses comissários não preguem os seus próprios sonhos em lugar do que lhes foi incumbido pelo papa. 71 Seja excomungado e maldito quem falar contra a verdade das indulgências apostólicas. 72 Seja bendito, porém, quem ficar alerta contra a devassidão e licenciosidade das palavras de um pregador de indulgências. 73 Assim como o papa, com razão, fulmina aqueles que, de qualquer forma, procuram defraudar o comércio de indulgências, 74 muito mais deseja fulminar aqueles que, a pretexto das indulgências, procuram defraudar a santa caridade e verdade. 75 A opinião de que as indulgências papais são tão eficazes ao ponto de poderem absolver um homem mesmo que tivesse violentado a mãe de Deus, caso isso fosse possível, é loucura. 76 Afirmamos, pelo contrário, que as indulgências papais não podem anular sequer o menor dos pecados veniais no que se refere à sua culpa. 77 A afirmação de que nem mesmo S. Pedro, caso fosse o papa atualmente, poderia conceder maiores graças é blasfêmia contra São Pedro e o papa. 78 Afirmamos, ao contrário, que também este, assim como qualquer papa, tem graças maiores, quais sejam, o Evangelho, os poderes, os dons de curar, etc., como está escrito em 1 Co 12. 79 É blasfêmia dizer que a cruz com as armas do papa, insignemente erguida, equivale à cruz de Cristo. 80 Terão que prestar contas os bispos, curas e teólogos que permitem que semelhantes conversas sejam difundidas entre o povo. 81 Essa licenciosa pregação de indulgências faz com que não seja fácil, nem para os homens doutos, defender a dignidade do papa contra calúnias ou perguntas, sem dúvida argutas, dos leigos. 82 Por exemplo: por que o papa não evacua o purgatório por causa do santíssimo amor e da extrema necessidade das almas - o que seria a mais justa de todas as causas -, se redime um número infinito de almas por causa do funestíssimo dinheiro para a construção da basílica - que é uma causa tão insignificante? 83 Do mesmo modo: por que se mantêm as exéquias e os aniversários dos falecidos e por que ele não restitui ou permite que se recebam de volta as doações efetuadas em favor deles, visto que já não é justo orar pelos redimidos? 84 Do mesmo modo: que nova piedade de Deus e do papa é essa: por causa do dinheiro, permitem ao ímpio e inimigo redimir uma alma piedosa e amiga de Deus, porém não a redimem por causa da necessidade da mesma alma piedosa e dileta, por amor gratuito? 85 Do mesmo modo: por que os cânones penitenciais - de fato e por desuso já há muito revogados e mortos - ainda assim são redimidos com dinheiro, pela concessão de indulgências, como se ainda estivessem em pleno vigor? 86 Do mesmo modo: por que o papa, cuja fortuna hoje é maior do que a dos mais ricos Crassos, não constrói com seu próprio dinheiro ao menos esta uma basílica de São Pedro, ao invés de fazê-lo com o dinheiro dos pobres fiéis? 87 Do mesmo modo: o que é que o papa perdoa e concede àqueles que, pela contrição perfeita, têm direito à remissão e participação plenária? 88 Do mesmo modo: que benefício maior se poderia proporcionar à Igreja do que se o papa, assim como agora o faz uma vez, da mesma forma concedesse essas remissões e participações 100 vezes ao dia a qualquer dos fiéis?
89 Já que, com as indulgências, o papa procura mais a salvação das
almas do o dinheiro, por que suspende as cartas e indulgências outrora já
concedidas, se são igualmente eficazes?
90 Reprimir esses argumentos muito perspicazes dos leigos somente pela força, sem refutá-los apresentando razões, significa expor a Igreja e o papa à zombaria dos inimigos e desgraçar os cristãos. 91 Se, portanto, as indulgências fossem pregadas em conformidade com o espírito e a opinião do papa, todas essas objeções poderiam ser facilmente respondidas e nem mesmo teriam surgido. 92 Fora, pois, com todos esses profetas que dizem ao povo de Cristo: "Paz, paz!" sem que haja paz! 93 Que prosperem todos os profetas que dizem ao povo de Cristo: "Cruz! Cruz!" sem que haja cruz! 94 Devem-se exortar os cristãos a que se esforcem por seguir a Cristo, seu cabeça, através das penas, da morte e do inferno;
95 e, assim, a que confiem que entrarão no céu antes
através de muitas tribulações do que pela segurança da paz.
1517 A.D. |
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Fique à vontade para comentar...