Lava-Jato: crônica de um fatiamento anunciado. Ou: Eu bem que avisei! Ou: Obsessões e erros da força-tarefa começam a cobrar seu preço. E pode até ser a impunidade!
Juiz Sérgio Moro
23/09/2015 às 21:12
Este é um dos textos mais importantes publicados neste blog
desde que começou a Lava-Jato. Há evidências que, a despeito de toda a gritaria
e das injúrias e difamações, têm de aguardar o concurso do tempo. Não gosto,
como brasileiro, do que vou escrever. Mas não escondo que se trata de um
vitória intelectual contra os espadachins da reputação alheia. De resto,
demonstro o que escrevo.
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Os ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello bem que tentaram resistir, mas perderam: por 8 votos a 2 — Luiz Fux estava ausente —, o Supremo Tribunal federal decidiu “fatiar”, como se está dizendo, um dos desdobramentos da Operação Lava Jato. O caso da senadora petista Gleisi Hoffmann (PT-PR) sai das mãos de Teori Zavascki, relator do petrolão, e vai para as de Dias Toffoli. O tribunal também decidiu que a parte da investigação que diz respeito a Alexandre Romano, ex-vereador do PT, migra de Sérgio Moro para a Justiça Federal de São Paulo.
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Os ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello bem que tentaram resistir, mas perderam: por 8 votos a 2 — Luiz Fux estava ausente —, o Supremo Tribunal federal decidiu “fatiar”, como se está dizendo, um dos desdobramentos da Operação Lava Jato. O caso da senadora petista Gleisi Hoffmann (PT-PR) sai das mãos de Teori Zavascki, relator do petrolão, e vai para as de Dias Toffoli. O tribunal também decidiu que a parte da investigação que diz respeito a Alexandre Romano, ex-vereador do PT, migra de Sérgio Moro para a Justiça Federal de São Paulo.
O caso em si não teria grande importância se não se
estivesse enxergando aí um precedente. A acusação contra Gleisi e Romano, que
estariam envolvidos num caso de corrupção no Ministério do Planejamento que só
veio à luz por causa das delações premiadas do Lava-Jato, não tem conexão
direta com os desvios da Petrobras, embora haja operadores comuns.
Abre-se a partir de agora, é claro!, a possibilidade de que
casos conexos ao petrolão — como o eletrolão, por exemplo — saiam das mãos de
Zavascki, indo para as de outros ministros do Supremo se o política tiver foro
especial, e saiam das mãos de Sérgio Moro para outros juízes federais se o
investigado não o tiver.
Mendes foi duro. E alertou:
“Essa é uma questão de grande relevo, se não, não haveria disputa no âmbito desta corte. No fundo, o que se espera é que processos saiam de Curitiba e não tenham a devida sequência em outros lugares. É bom que se diga em português claro”.
Não estou surpreso com a decisão e duvido que Mendes esteja.
E vou dizer por quê. Essa operação já nasceu fatiada e de um modo um tanto
heterodoxo. Mais de uma vez, vimos o juiz Sérgio Moro parar um depoimento para
que a pessoa ouvida não citasse um político com mandato, o que o obrigaria a
mandar o caso para o STF. Para manter a investigação sob sua jurisdição,
orientava o depoente a não citar nomes de políticos. Apontei aqui a heterodoxia
e afirmei que acabaria dando problema um dia.
Estudo para escrever as coisas. Não vou tirando tudo da
cachola ou do fígado. No dia 4 de fevereiro — há sete meses — escrevi um dos posts a respeito. Nele se lia:
“Todas as ações penais que correm na 13ª Vara Federal de Curitiba estão atreladas a uma tese: as empreiteiras formaram um cartel para corromper ‘agentes públicos’ na Petrobras. Os nomes dos políticos com mandato eventualmente envolvidos nas falcatruas são enviados ao Supremo Tribunal Federal pelo Ministério Público.
(…)
“Resta evidente, a esta altura, que, no meio da
sem-vergonhice, houve de tudo: caixa dois de campanha, roubalheira pura e
simples, ladrão roubando ladrão… Sabem como é… Ocorre que o que se dava na
Petrobras era uma das pontas de um projeto de poder. E, tudo o mais constante,
as coisas caminham para uma outra conclusão: um grupo de empreiteiros
gananciosos resolveu usar a estatal para maximizar lucros, corrompendo agentes
públicos. Com todo respeito, é história da carochinha.”
Nesse mesmo texto de 4 de fevereiro, escrevi:
"Qual é o outro problema dessa leitura? Ignora-se a natureza
do jogo. Já chamei aqui a atenção para este risco e o faço de novo: está
começando a se perder de vista a evidência de que havia — ou há — uma inteligência
política no gigantesco esquema de fraude que operava na Petrobras e, infiro a
exemplo de qualquer pessoa razoável, em outras áreas também.
Dada a forma como as coisas caminham até aqui, quem ainda
acaba livrando a cara no fim da história é o PT. Insisto: é pura fantasia — se
não for condução da investigação — a suposição de que se pode separar a ação
das empreiteiras do esquema político ao qual elas serviam — e, sim, do qual se
serviam.
Se os delatores e testemunhas estivessem dando nome e sobrenome
de políticos, é possível que tudo tivesse de ser enviado ao Supremo, mas a
narrativa seria mais compatível com a realidade."
Sempre tive claro que se tratava de uma organização criminosa a serviço de um projeto de poder. Está lá. Faz tempo. Uns tontos chegaram a inferir que eu estava tentando proteger empreiteiros. É… Vai ver eles pagam as minhas contas, né? Tenham paciência! Ao tentar evitar o fatiamento, Rodrigo Janot, procurador-geral da República, escreve agora: “Não estamos investigando empresas nem delações, mas uma enorme organização criminosa que se espraiou para braços do setor público”.
É mesmo? A avaliação chega um pouco tarde. Até porque o
procurador-geral escolheu um procedimento — decorrente de uma leitura torta do
petrolão — que foi apontado com precisão cirúrgica por Zavascki:
“A procuradoria. por opção estratégica ou processual que lhe era permitida fazer, fez essas solicitações de fatiamento, de abertura de inquéritos diferentes aqui e no primeiro grau [instância inferior]. Quando se pede fatiamento, se entende ausência de conexão. E relativamente ao delito maior de investigação sobre o dito esquema de distribuição de benesses em troca de apoio político, o Ministério Público pediu que fosse aberto inquérito especial. Se for falar em continência ou conexão de fatos que pediu competência isolada, não devia estar em primeiro grau, mas aqui”.
Pronto! Matou a pau! Gilmar Mendes e Celso de Mello, em seus
respectivos votos, alertam, sim, para o risco de fragmentação da investigação,
de sorte que vários juízos acabarão dando sentenças distintas em razão, muitas
vezes, dos mesmos crimes.
Mas como é que se fabricou esse resultado?
A imprensa, na sua maioria rendida ao Ministério Público e
convertida em porta-voz da força-tarefa, não vai apontar o erro crasso
cometido. E não é o do Supremo. Mas ele existiu e agora cobra o seu preço. EU
CHAMEI A ATENÇÃO PARA ISSO EM FEVEREIRO.
Se a tese era a de que houve um cartel de malvados que
deveria ser investigado em Curitiba e de que políticos com mandato deveriam ser
enviados a Brasília — ignorando, então, que o que se tinha era uma máquina
organizada para assaltar o poder público em nome de um projeto de poder —,
estão reclamando de quê?
Não gosto do resultado, não! Nos meus estreitos limites, de
simples analista, chamei a atenção para o risco. Mas sabem como é… Tornou-se
proibido apontar erro do MP ou do juiz Sérgio Moro. Sempre resta a suspeita de
que você está a serviço da impunidade. Ainda agora, com a provável exceção
deste blog, o STF está sendo acusado de estar acabando com a operação, como já
acusou um procurador.
Não está acabando, é claro! Mas esse resultado foi causado
pelas teses triunfantes em Curitiba.
Os resultados começam a aparecer.
Por Reinaldo Azevedo
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