Macarthismo nas escolas
Hubert Alquéres
é professor e membro do Conselho Estadual de Educação (SP).
Lecionou na Escola Politécnica da USP e no Colégio Bandeirantes e foi
secretário-adjunto de Educação do Governo do Estado de São Paulo
Nos anos cinquenta, os Estados Unidos foram varridos por uma
onda de histeria, capitaneada pelo Joseph McCarthy (foto) , um senador
republicano do Estado de Wisconsin, que via fluidos comunistas em tudo e em
todos.
O termo macarthismo entrou para o dicionário como sinônimo
de patrulha anticomunista, de utilização de alegações e técnicas injustas para
cercear o pluralismo de ideias e inibir o pensamento crítico.
O Brasil vive algo semelhante na Educação, com a
proliferação em várias casas legislativas – inclusive na Câmara Federal – de
projetos de lei inspirados no programa Escola sem Partido.
Sob pretexto de combater a “doutrinação ideológica” dos
alunos, tais projetos pretendem introduzir nas salas de aula o “monitoramento”
pedagógico. S e aprovados, criarão um clima de caça às bruxas nas instituições
de ensino. Claramente atentam contra a Constituição, particularmente quanto à
liberdade de expressão.
E podem levar o sistema educacional a retroagir ao Brasil
pré-República, quando o Estado brasileiro ainda não era laico. Entre outras
aberrações, o projeto de lei Escola sem Partido, do deputado federal Izalci
Ferreira, (PSDB-DF), proíbe professores a ensinar “conteúdos contrários às
convicções religiosas ou morais dos pais”. Onde querem chegar?
A partir dos anos 80, as escolas viram-se diante novas
responsabilidades, tendo ao mesmo tempo de fornecer um ensino de forte conteúdo
e uma formação humanista, com vistas a preparar seus alunos para novos desafios
da cidadania.
O mercado de trabalho do século vinte e um requer, por sua
vez, profissionais com novos valores e habilidades, com espírito de liderança,
capacidade de mediar conflitos e de entender a relação entre a parte e o todo.
O programa Escola sem Partido ignora esta complexa realidade.
Propõe, concretamente, um enorme passo para trás, por meio
de uma escola "a ser tutelada pela família", como se as instituições
de ensino tivessem usurpado o direito dos pais sobre a formação moral e
religiosa dos filhos.
Inteiramente desprovida de senso, esta proposta cairia no
vazio se não fosse o contexto de radicalização política e ideológica no qual o
país mergulhou, logo após a disputa presidencial. Só encontrou terreno fértil
para prosperar em função da onda conservadora e moralista que varre o mundo e
cujos ventos chegaram também ao Brasil. O racismo que pinta com força lá fora,
também está presente aqui, inclusive nas redes sociais, assim como a pregação
do ódio e da intolerância.
Não por acaso, os arautos do Escola sem Partido voltam-se
com especial rancor contra o que chamam de “ideologia de gênero”. Aqui, o nosso
macarthismo tupiniquim se manifest a sem desfaçatez. Professores são colocados
sob suspeita de direcionar a orientação sexual dos alunos quando abordam temas
como homofobia ou sexualidade. Também enquadram no mesmo direcionamento
decisões avançadas e progressistas de conselhos de educação que deram passos
importantes por romper tabus na questão de identidade de gêneros.
Triste da Educação se cair na armadilha da falsa polarização
direita versus esquerda. Ou se quiser patrulhar e julgar moralmente alunos e
professores. A Associação Brasileira das Escolas Particulares– Abepar se
posicionou no sentid o de condenar a “partidarização” nas salas de aulas. A
entidade marcou posição manifestando o desconforto de “professores,
coordenadores e mantenedores de escolas” com o projeto de lei do deputado
Izalci Ferreira através de nota enfática:
“A democracia é o valor maior que professamos, o que implica
ampla aceitação das diferenças políticas, ideológicas, religiosas ou culturais.
Acreditamos, assim, na pluralidade política e ideológica da sociedade
brasileira. Entendemos, por isso, que iniciativas que visam interferir na sala
de aula, ainda que bem-intencionadas, podem contribuir muito mais para punir a
diversidade, o pensamento livre e a fomentar a exclusão do que a limitar a
partidarização. ”
No passado, dizia-se que os comunistas comiam criancinhas.
Hoje dizem que os professores fazem lavagem cerebral, ou melhor “assédio ideológico”
nos alunos, o que pode dar cadeia, se for aprovada o projeto de lei apresentado
por outro parlamentar do PSDB, deputado Rogério Marinho, do Rio Grande do
Norte. O projeto prevê pena de três meses a um ano de prisão para quem cometer
“assédio ideológico”.
O saudoso ministro Paulo Renato Souza -uma socialdemocrata
de raízes e de contribuições ineg áveis para a Educação-, deve estar se
revirando no túmulo com iniciativas retrógadas de parlamentares tucanos.
E os educadores brasileiros estão correndo o risco de serem
vítimas de um macarthismo fora de hora nas salas de aula.
Publicado em O GLOBO, 13/07/2016
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