ESCOLA SEM
PARTIDO
A Educação brasileira tem dezenas de problemas graves,
complexos e bem conhecidos. Nos últimos meses, o movimento Escola Sem Partido
(ESP) ganhou força e visibilidade com o argumento de que essa lista precisa
crescer. Para o grupo, a militância político-partidária dos professores e
discussões sobre sexualidade e gênero estão entre as questões mais sérias e
urgentes da Educação no Brasil.
Para resolvê-las, o movimento, fundado pelo advogado e
procurador do Estado de São Paulo Miguel Nagib, propõe três soluções: divulgar
testemunhos de alunos que teriam sido vítimas desses educadores, estimular leis
contra o abuso na liberdade de ensinar e enviar notificações extrajudiciais
ameaçando com processos professores que adotarem determinadas condutas em sala
de aula. Nos últimos meses, os debates sobre gênero foram os alvos dessas
notificações.
No dia 18 de julho, o Senado Federal abriu uma
consulta pública sobre o projeto de lei 193, de 2016,
de autoria do senador Magno Malta, que visa incluir o Programa Escola Sem
Partido nas diretrizes e bases da Educação Nacional. A pesquisa quer saber se
os brasileiros são a favor ou contra a iniciativa. Apesar de não ter força
legal, a consulta pode influenciar politicamente os senadores.
Claro que a
doutrinação - palavra que remete à pregação - é algo inadequado em qualquer
aula. A pluralidade de visões e o questionamento de cada uma delas é o caminho
mais fértil para levar os alunos a pensar por conta própria, como discute a reportagem de capa de NOVA ESCOLA de junho/julho de 2016.
Mas o problema é tão grave quanto o Escola Sem Partido alega? Ele seria
realmente urgente e grande a ponto de levar a escola para o tribunal? Ele
deveria ser o foco das discussões públicas sobre Educação nesse momento? Quais
são as consequências dentro da sala de aula?
Em busca de algumas respostas, pesquisamos evidências para
entender o assunto. O resultado está na lista de perguntas e respostas abaixo,
coletada em livros, pesquisas e conversas com professores e gestores. Se você
tiver mais alguma dúvida ou contribuição ao debate, NOVA ESCOLA está aberta. O
debate livre, sem amarras, é a melhor forma de avançar.
1. A doutrinação é um problema grave?
A doutrinação em si é errada sempre. A questão é saber se esse é um problema
amplamente disseminado pelo país ou se é uma questão pontual em algumas
escolas. Hoje, é impossível saber o quão grave e disseminada é a
doutrinação.
O projeto se baseia em relatos esparsos e em uma
pesquisa
de 2008 encomendada pela revista Veja ao Instituto CNT/Sensus. A
reportagem não detalha a metodologia do levantamento ou a margem de erro.
Apenas diz que são 3 mil entrevistados. Na sondagem, estudantes mencionam
citações predominantemente favoráveis em sala a figuras como Lênin, Che Guevara
e Hugo Chávez.
É muito pouco para configurar uma tendência. Como faltam
estudos sistemáticos sobre o tema, não é possível saber se os resultados seriam
os mesmos se fossem aferidos hoje ou se outro levantamento chegaria às mesmas
conclusões. Também há outras lacunas. Qual seria o resultado se o foco fosse a
presença religiosa nas escolas?
Restam, ainda, os relatos pessoais de quem presenciou alguma
doutrinação. Embora o Escola Sem Partido diga receber numerosas denúncias, o
site do movimento registra somente 33. O Brasil possui mais de 45 milhões de
estudantes. É preciso ter dados mais sólidos para separar casos isolados de
tendências e, também, para ter uma visão mais clara sobre se, onde e em quais
situações o problema acontece.
2. A doutrinação esquerdista apontada pelo ESP está de fato acontecendo?
Não há qualquer comprovação. Ao contrário: uma pesquisa do Instituto Datafolha,
realizada em 2014, mostra que há mais brasileiros afinados com ideias
defendidas pela direita (45%) do que à esquerda (35%) em temas relativos a
comportamento, valores e economia. Em relação a anos anteriores, há um avanço
da direita e um recuo da esquerda.
3. Qual é o poder dos professores sobre os alunos?
Para o Escola Sem Partido, o poder dos docentes sobre os alunos é imenso. A
ideia é que o estudante estaria "submetido à autoridade do professor"
e que educadores doutrinadores seriam "abusadores de crianças e
adolescentes". A imagem de jovens passivos não encontra paralelo com a
realidade das escolas brasileiras. Eles são questionadores e não aceitam
facilmente o que se diz. Exemplo desse protagonismo é a recente onda de
ocupações em escolas públicas de Ensino Médio lideradas por
estudantes.
Ao conceber crianças e jovens manipuláveis, o ESP se inspira
em modelos teóricos ultrapassados há pelo menos 50 anos. Desde a década de
1960,
pesquisas mostram que as pessoas, mesmo as mais
jovens, escutam uma mensagem e refletem sobre o significado dela. Podem
aceitá-la ou não, após cruzarem o que ouvem com influências da família, de
outros professores, de amigos, da mídia, na Igreja e em outros grupos sociais
dos quais participam.
Outro equívoco é atribuir uma força imensa à escola na
formação do pensamento das pessoas.
Estudos indicam
que, na sociedade atual, a escola perdeu força diante de outros grupos e
instituições. As pessoas se formam em cursos livres, debates abertos, igrejas,
empresas, movimentos sociais. As visões de mundo divulgadas por cada uma dessas
entidades podem ser diferentes, contraditórias e até concorrentes. Aliás, quem
nunca se viu soterrado com um mundo de informações contraditórias, sem saber o
que pensar sobre um assunto?
4. Os professores formam um "exército de militantes"?
Esse argumento é frágil, baseado em apenas uma pesquisa de opinião e, ainda
assim, dependente de uma associação controversa de ideias. O Escola Sem Partido
se refere aos educadores brasileiros como um "exército organizado de
militantes travestidos" amparado na
pesquisa
de 2008, encomendada pela revista Veja ao Instituto CNT/Sensus. Na
sondagem, 78% dos professores dizem que a principal função da escola é
"formar cidadãos". Para o ESP, isso equivale a "apenas e tão
somente martelar ideias de esquerda na cabeça dos estudantes".
Tal definição não se enquadra nos múltiplos significados dos
termos formação e cidadania. Os
Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN), por exemplo, dizem que cidadania deve ser
compreendida como "participação social e política, assim como exercício de
direitos e deveres políticos, civis e sociais". Sua adoção no dia a dia se
exprime em "atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças,
respeitando o outro e exigindo para si o mesmo respeito". Isso se aplica
tanto a um militante quanto a um diretor de uma grande empresa.
Até o momento, as medições sobre filiação a partidos
políticos não confirmam a tese do ESP. O IBGE realizou dois levantamentos sobre
o tema. Ambos são bem antigos, de 1988 e 1996. Na primeira, 10% dos professores
da Educação Básica dizem ser filiados a partidos. Era um índice superior à
média brasileira (4%), mas, ainda assim, muito distante de ser um exército. A
julgar pela pulverização partidária, também é improvável que os professores
estejam concentrados numa única legenda.
5. O Escola Sem Partido é apartidário?
O site do movimento o apresenta como "apartidário" e diz que
"não defende e não promove nenhum tópico da agenda liberal, conservadora
ou tradicionalista. Logo, não é de direita". Mas os apoiadores do
movimento vêm quase exclusivamente desse espectro. O Movimento Brasil Livre
(MBL), um dos protagonistas dos protestos pelo impeachment de Dilma Rousseff e
autodefinido como "liberal e republicano", elegeu o Escola Sem
Partido como um dos tópicos da lista de dez reivindicações em sua marcha ao
Congresso Nacional no ano passado.
Já o Revoltados Online ("iniciativa popular de combate
aos corruPTos do poder", como informa a fanpage da organização), foi
responsável por articular o encontro de dois de seus representantes - um deles
era o ator Alexandre Frota - com o ministro da Educação, Mendonça Filho.
Levantamento de NOVA ESCOLA revela que a estratégia de levar
a questão para Câmaras de Vereadores, Assembleias Legislativas e para o
Congresso tem aproximado o movimento de agremiações de direita e de centro.
São desse perfil a maioria dos 19 deputados federais,
estaduais ou vereadores (de capitais) que propõem projetos de lei baseados no
Escola Sem Partido (veja o gráfico abaixo). O PSC, partido com
forte representação na bancada evangélica, é o primeiro em proponentes (5),
seguido por siglas mais centristas, como PMDB e PSDB (4 cada). De qualquer
forma, é preciso sempre tomar cuidado. O sistema de partidos no Brasil não
reflete necessariamente a visão de mundo presente no programa da sigla.
Por isso, um dado mais relevante é a vinculação religiosa: 11 dos 19
proponentes de projetos inspirados pelo ESP são ligados a alguma igreja. Uma visita
por páginas dos parlamentares na internet indica que a defesa da família e dos
valores cristãos é a plataforma de atuação mais citada.
6. As propostas do movimento defendem a pluralidade no ensino?
Nem todas. Uma das principais ações contradiz esse princípio. O modelo de
notificação extrajudicial, que ameaça processar educadores que discutirem
sexualidade e gênero, se sustenta no direito de as famílias escolherem as
ideias com que as crianças terão contato na escola. Muitos pais, por convicções
religiosas, são contra esse debate nas aulas e o movimento invoca a Convenção
Americana sobre Direitos Humanos para sustentar o direito dos pais a que seus
filhos recebam "a Educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas
próprias convicções".
Esse tipo de tratado internacional não está acima da
Constituição brasileira, que atesta que o Estado é laico (ou seja, não deve
sofrer influência de igrejas). Como reforço, a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB) também veda qualquer forma de proselitismo (esforço
para converter pessoas) e o Supremo Tribunal Federal (STF) analisa uma ação
direta de inconstitucionalidade, a ADI 4.439, que defende que essa área em
escolas públicas só pode ser de natureza não confessional (ou seja, não pode
ser relativa a crenças religiosas) e expor as doutrinas, a história, as
dimensões sociais das diferentes religiões e também de posições não religiosas,
como o ateísmo e o agnosticismo.
Além disso, essas notificações extrajudiciais podem criar
sérios problemas. Por exemplo, em uma família criacionista, os pais acreditam
que o mundo foi criado tal como descrito no livro bíblico do Gênesis. Eles
podem questionar na justiça o professor de Biologia porque ele ensina o
conceito de evolução das espécies? Outro ponto, levando para o outro oposto.
Uma família de esquerda pode levar um professor de História de direita à
justiça caso ele ensine algo sobre a Revolução Russa que vá contra os seus
princípios? São questões em aberto.
7. É correto impedir a discussão de gênero, como quer o
ESP?
Esse não é o caminho escolhido por países em que as crianças têm alto
desempenho. A Unesco, braço da ONU para Educação, ciência e cultura, reconhece
a Educação para a Sexualidade como uma abordagem culturalmente relevante para
ensinar sobre sexo e relacionamento de uma forma "cientificamente precisa,
realista e sem julgamentos". E o currículo de vários países vai nessa
direção. Nos Estados Unidos, a Educação sexual data da virada do século 19. Na
Suécia e na Nova Zelândia, ela começa aos 7 anos. Na Finlândia, é incorporada
em diversas disciplinas. A província de Ontario, no Canadá, adotou um novo
currículo para o Ensino Médio em que se fala de relacionamento do mesmo sexo e
identidade de gênero. E a França lançou em 2013 um programa contra o estereótipo
de gênero nas escolas.
Além disso, a justificativa para interditar o debate é
cientificamente questionável. Diz um dos itens do modelo de notificação
extrajudicial, que ameaça processar educadores que abordarem questões de
gênero: o professor não pode "imiscuir-se, direta ou indiretamente, na
orientação sexual dos alunos". Não há base em pesquisa para afirmar que a
orientação sexual seja influenciável por alguém.
É provável que essa definição se dê pela interação entre
fatores biológicos (predisposição genética, níveis hormonais) e ambientais
(experiências ao longo da vida), como explica a reportagem de NOVA ESCOLA
Educação Sexual: Precisamos Falar sobre Romeo.
8. Discutir diversidade cultural pode levar à doutrinação?
O risco existe, mas a tendência mundial, de novo, é fortalecer o debate sobre
esse tema. Na
Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural, a Unesco
estimula os países signatários (como o Brasil) a "promover, por meio da
Educação, uma tomada de consciência do valor positivo da diversidade cultural e
aperfeiçoar, com esse fim, tanto a formulação dos programas escolares como a
formação dos docentes". Sistemas de conhecimento tradicionais, sobretudo
das populações autóctones (naturais de um território, como os indígenas
brasileiros), devem ter atenção especial.
Para Bráulio Porto de Matos, vice-presidente do Escola Sem
Partido e professor da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB),
o currículo beneficia interesses de movimentos sociais. Para ele, o
"problema se torna ainda mais candente" na segunda versão da Base
Nacional Curricular Comum Curricular (BNCC).
No documento, os temas transversais, que tratam de conceitos
e valores básicos de cidadania, que devem ser trabalhados em todas as
disciplinas, são substituídos por temas especiais, o que, na opinião de Matos,
representa uma dificuldade extra. "Fica mais evidente a orientação política
mais estreita dos temas especiais", disse, em audiência na Comissão de
Educação da Câmara. Para ele, mudar a expressão de ‘pluralidade cultural’ para
‘estudos indígenas e africanos’ é um problema sério de doutrinação.
Em países como a Noruega, a inclusão da diversidade cultural
na escola é vista como uma conquista do respeito às raízes da história local. A
parte norte do território do país é ocupada pelo povo sami, originário da
Escandinávia. A cultura, as tradições e a língua dos sami são objeto de estudo
em toda a escolarização básica e constam como tópico obrigatório do currículo
nacional. Na Nova Zelândia acontece a mesma coisa.
Obviamente, ninguém é a favor de tirar Revolução Francesa
das escolas brasileiras. Mas é preciso aumentar o ensino sobre a herança
indígena e africana no país. Poucas pessoas saem das escolas sabendo, por
exemplo, que até meados do século 19 se falava uma mistura de línguas indígenas
e de português em São Paulo. Sem entender isso, dificilmente alguém vai
compreender por que tantos bairros da cidade têm nomes em tupi-guarani
(Pirituba, Jaraguá) ou o significado do nome de grandes empresas (a palavra
Itaú significa pedra preta, por exemplo).
9. É justo que a Base Nacional passe pela aprovação do Congresso, como
defende o Escola Sem Partido?
Não. Para votar a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) no Congresso, é
necessário mudar o que está no Plano Nacional de Educação (PNE), que já foi
votado e aprovado pelo próprio Congresso. O ESP apoia essa ideia porque, com um
parlamento marcadamente conservador, há chances de essa alteração emplacar uma
parte da agenda do grupo.
Além de colocar em risco um projeto urgente para o país, o
Projeto de Lei que pede a mudança diz que: "É
temerário que somente o Ministério da Educação e o Conselho Nacional de
Educação sejam responsáveis pela elaboração e aprovação da Base." A
afirmação é equivocada.
A
BNCC é fruto de um longo trabalho que envolve mais de
130 especialistas de diversas universidades, duas versões preliminares para avaliação
pública, 12 milhões de sugestões no processo de consulta aberto em 2015 e
debates com educadores em conferências estaduais. Todos foram ouvidos.
10. O marxismo é um método de doutrinação esquerdista?
O Escola Sem Partido não define, em nenhum momento, o que entende por marxismo.
O termo é controverso e pode designar muitas coisas, como apontam os italianos
Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino no clássico Dicionário
de Política: "Identificam-se diversas formas de marxismo, quer com
base nas diferentes interpretações do pensamento dos dois fundadores [Marx e
Engels] quer com base nos juízos de valor com que se pretende distinguir o
marxismo que se aceita do marxismo que se rejeita: por exemplo, o marxismo da
Segunda e da Terceira Internacional, o marxismo revisionista e ortodoxo,
vulgar, duro, dogmático etc."
Nas ciências humanas, o pensamento de
Karl Marx é considerado um dos mais influentes do
século 20. Conceitos como o de classe social ajudam até hoje a produzir
análises econômicas, históricas e culturais. Faz sentido estudá-lo (o que não
significa, necessariamente, adotá-lo), como reconhecem mesmo seus críticos. Há
várias pessoas que estudam Marx a fundo que não aceitam suas ideias. Raymond
Aron, um dos maiores intelectuais franceses do século 20, é uma delas. Da mesma
maneira, estudar Adam Smith, um dos pais do liberalismo econômico, não equivale
a fazer doutrinação liberal.
No curso de Pedagogia, a questão foi investigada por Susana
Vasconcelos Jiménez, Laurinete Paiva Gonçalves e Luis Adriano Soares Barbosa no
artigo
O lugar do marxismo na formação do educador. Pegando
o exemplo da graduação da Universidade Estadual do Ceará (UECE), os autores
constatam uma "presença rarefeita" do marxismo. Analisando os
programas de uma amostra de 12 das 52 disciplinas (as que abordavam fundamentos
da Educação e que teriam mais chance de contar com a influência marxista), os
pesquisadores concluem que apenas uma apoia-se claramente nos conceitos de
Marx. O pensador alemão aparece em outras sete, mas ao lado de clássicos como
Platão, Aristóteles, Descartes, Rousseau, Adorno e Horkheimer.
12. Há base para dizer que Paulo Freire faz "proselitismo
ideológico" e "doutrinação marxista"?
Não. Essa é uma leitura distorcida da obra dele. Para o Escola Sem Partido,
Paulo Freire vê o trabalho de ensinar "como uma simples modalidade de
proselitismo ideológico ao qual ele dá o nome de ‘conscientização’ dos
alunos".
Em sua acepção original, "proselitismo" é um
esforço para converter pessoas para alguma causa ou religião. O conceito de
"conscientização", conforme utilizado por Freire, é o oposto disso:
"Ao ouvir pela primeira vez a palavra percebi imediatamente a profundidade
de seu significado, porque estou absolutamente convencido de que a Educação,
como prática da liberdade, é um ato de conhecimento, uma aproximação crítica da
realidade", explica ele no livro Conscientização - Teoria e
Prática. Em diversos momentos, Freire combateu o proselitismo - fosse o da
Igreja ou o da Educação.
Outra crítica que o ESP subscreve é quanto à suposta
"doutrinação marxista" de Freire. Trata-se de leitura distorcida,
como opina Fernando José de Almeida na biografia Paulo Freire.
"Ele faz constantes citações de Karl Marx, Mao e Guevara, como idealistas
e inspiradores, e busca na dialética marxista fundamentos de um pensar e agir
transformador. Mas isso em nada ameaça o firme bloco ideológico de seu
pensamento: o pacifismo e um socialismo não radical nem violento - à época,
muito abominado por alguns setores da esquerda", escreve.
A importância da produção do patrono da Educação brasileira
foi reconhecida mundo afora. Livros de Freire foram traduzidos para mais de 20
línguas, rendendo-lhe o título de doutor honoris causa em 41 universidades,
incluindo Oxford, Harvard e Cambridge. Mais uma vez, estudar Paulo Freire não
significa endossar todas as suas afirmações nem suas premissas. Há milhares de
pessoas formadas por professores inspirados por Freire que nunca se tornaram
socialistas.
13. O Escola Sem Partido propõe judicializar a Educação. Processar
professores resolve?
Não é racional nem eficiente mover a já sobrecarregada máquina do Judiciário
(sâo 70 milhões de processos!) para solucionar questões que as pessoas podem
resolver entre si. Uma saída educativa deve seguir pela rota do diálogo. Se há
suspeita de doutrinação, a primeira coisa a fazer é uma conversa franca entre
professor, aluno e pais, se for o caso. Isso é bom para todo mundo. Persistindo
o problema, os gestores escolares podem ser acionados. Se necessário, há ainda
as ouvidorias das secretarias de Educação.
14. Faz sentido ter essa discussão?
Nas ditaduras, os debates são sufocados. Nas democracias, eles são acolhidos e
estimulados - sem restrição. Se um grupo de pessoas acha importante levantar
uma discussão e defender os seus pontos, ele tem todo o direito de fazer isso.
Certamente o Escola Sem Partido tem suas razões, e ignorá-lo ou desprezá-lo não
é o melhor caminho. Nossa opção é pelo debate desarmado, focado em ideias e
evidências.
Além disso, o debate sobre a iniciativa tem levantado vários
pontos relevantes sobre a participação dos pais na escola, sobre a
responsabilidade dos professores e sobre a autonomia dos alunos. Para manter
esse canal aberto, a melhor forma é aumentar o diálogo, e não restringi-lo.