PRENDE E SOLTA
MARCO AURÉLIO MELLO
09 de março de 2015
Nota: o artigo em sendo de 2015, mostra uma convicção arraigada MUITO ANTES do julgamento do Habeas Corpus de Lula em 04/04/2018
O título deste artigo revela autoria única. Quem prende e
solta é o Estado-Juiz, gerando toda sorte de perplexidade, de decepção para os
cidadãos em geral. A ordem natural direciona a apurar para, selada a culpa,
prender, em execução da pena privativa da liberdade de ir e vir.
Esse enfoque decorre da presunção do que normalmente ocorre,
mais do que isso, do princípio constitucional da não culpabilidade: ninguém
será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória. A impossibilidade de voltar-se ao estado de fato anterior exclui
a denominada execução provisória da pena. A liberdade perdida, ante postura
precoce, temporã, açodada, foge ao campo da devolução. Então, há de admitir-se
uma premissa: o acusado, até então simples acusado, deve responder ao
processo-crime em liberdade, assim permanecendo sob os holofotes da persecução
penal, o que não é pouco em termos de reputação perante a sociedade.
A Constituição Federal, de forma indireta, contém mitigação
a esse princípio, ao versar não só que ninguém será preso senão em flagrante
delito ou por ordem fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos
casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, como também que
ninguém será levado à prisão ou nela mantido quando a lei admitir a liberdade
provisória, com ou sem fiança.
A prisão temporária é exceção, e mais ainda o é a
preventiva. Presente o princípio da não culpabilidade, o legislador veio a
afastar, como título da prisão provisória, até mesmo, o flagrante. Fê-lo
mediante lei de 2011, estabelecendo a necessidade, se for o caso, de conversão
em preventiva, uma vez não sendo oportuna e satisfatória a adoção, no caso
concreto, de uma das medidas acauteladoras nela previstas.
Mas por que a população carcerária provisória chegou a
patamar praticamente igual ao da definitiva, levando o Conselho Nacional de
Justiça, na gestão do ministro Gilmar Mendes, a realizar um verdadeiro mutirão
de soltura? As razões mostram-se muitas. São potencializados – em inversão de
valores, em abandono de princípios, da máxima segundo a qual, em Direito, o
meio justifica o fim, mas não este, aquele – aspectos neutros, de subjetivismo
maior, sobressaindo o critério de plantão e, com isso, grassando a incerteza, a
intranquilidade, a insegurança.
Em visão míope – e de bem-intencionados, nesta quadra
estranha, o Brasil está cheio –, passou a vingar não o império da lei, mas a
óptica do combate, sem freios, dos desvios de conduta, da corrupção, da
delinquência de todo gênero. A prisão preventiva, talvez, amenize consciências
ante a morosidade da Justiça, dando-se uma esperança vã aos cidadãos, como se
fosse panaceia presente esse mal maior que é a impunidade. A exceção virou
regra, implementando-se, com automaticidade e, portanto, à margem da regência
legal, esse ato de constrição maior que é a prisão. As decisões nesse campo
carecem de fundamentação, desaguando na concessão de ordem em habeas corpus.
Por vezes, potencializa-se a imputação e, em capacidade intuitiva, presume-se
que, solto, o investigado voltará a delinquir. Que se apure, viabilizando-se, à
exaustão, o direito de defesa, para, então, depois de incontroversa a culpa,
limitar-se a liberdade, bem suplantado apenas pela própria vida.
Não é demasia lembrar Machado de Assis – a melhor forma de
ver o chicote é tendo o cabo à mão. Justiça não é sinônimo de justiçamento. A
sociedade não convive com o atropelo a normas reinantes. O desejável e buscado
avanço social pressupõe o respeito irrestrito ao arcabouço normativo. É esse o
preço a ser pago – e é módico, estando ao alcance de todos – por viver-se em um
Estado Democrático de Direito.
Fonte: site do STF
(acessado em 06/04/2018)