SOBRE A PEC 241, a PEC dos GASTOS
Oito perguntas que você precisa saber responder antes de sair por aí falando da pec dos gastos
por Felippe Hermes
Há exatos dois anos, vitoriosa na eleição mais disputada no
país desde a redemocratização, a ex-presidente Dilma Rousseff recebeu de Lula
apenas um conselho sobre o que fazer com a economia em seu segundo mandato:
colocar Henrique Meirelles no Ministério da Fazenda. Parecia o plano perfeito.
Meirelles tinha crédito de sobra junto ao mercado e confiança junto à base
política.
Dilma, no entanto, fez jogo duro. E ao recusar garantir
autonomia à pasta, acabou colaborando para que seu capital político entrasse em
parafuso poucos meses depois: fez Meirelles desistir da ideia.
Em ao menos três ocasiões, Lula tentou, sem sucesso, convencer sua
sucessora a indicar Meirelles ao cargo. Na última delas, em março deste ano, o
ex-presidente já estava convencido de que o ex-deputado federal faria parte do
governo no instante seguinte à sua nomeação como ministro-chefe da Casa Civil.
Um novo tempo surgiria e o ajuste fiscal tomaria seu rumo, com Lula no comando.
Ainda seriam necessários dois meses, porém, para o destino
terminar de colocar o ex-presidente do Banco Central no cargo mais alto da
economia do país, já no governo interino de Michel Temer. E quase dois anos
desde a conversa entre Lula e Dilma para que Meirelles garantisse sua primeira
vitória como ministro: aprovar a PEC dos gastos.
Tamanha confiança detida por Lula
de que Meirelles era a pessoa certa para o cargo não nasceu do nada. Em seus
oito anos no comando do Banco Central, quando topou sair do PSDB para ocupar
uma das posições mais importantes do governo Lula, Meirelles foi um dos nomes responsáveis pela bem sucedida política que
permitiu ao país reduzir a taxa de juros de 26,5% em fevereiro de 2003 para
10,75% em dezembro de 2010.
Agora, à frente da área fiscal, Meirelles tem como objetivo
três tarefas nada fáceis: impedir que a
dívida continue crescendo, reverter o maior déficit orçamentário do país nos
últimos 19 anos e fazer a economia sair da maior recessão dos últimos 85 anos.
Tudo isso, claro, nos escassos dois anos que possui de mandato. É um desafio e
tanto.
Em outros tempos, a estratégia poderia ser simples – numa
única canetada, aumenta-se os impostos e joga-se a conta para a população.
Quase duas décadas de aumento de carga tributária e a certeza de que aumentar
impostos em meio a uma recessão apenas contribui para nos jogar mais ainda no
fundo do poço, no entanto, fizeram Meirelles apostar num novo plano.
Se você já está se coçando para gritar por corte de gastos,
talvez seja interessante pegar uma calculadora e analisar um pouco mais a fundo
o problema.
Para impedir que a dívida cresça e
leve os juros para cima (o que reduziria ainda mais a capacidade de
investimento das empresas, reduzindo a geração de emprego e renda), o Brasil
necessita voltar a economizar ao menos 2% do PIB, uma bagatela de R$ 120
bilhões. Some a isso o que gastamos a mais do que arrecadamos hoje (R$ 170,5
bilhões) e o resultado é uma conta que chega a quase R$ 300 bilhões.
Encontrar isso no orçamento, hoje, é impossível. Nem mesmo
se o governo demitisse 100% dos funcionários públicos.
Se aumentar impostos não é uma boa ideia e apenas cortar
gastos não resolve o problema, qual seria então a solução? Para Meirelles, uma
palavrinha curta e simples: crescimento.
Que tal se não aumentássemos impostos e nem realizássemos cortes
em investimentos e programas sociais (como os 74% de verba para programas como
o Minha Casa Minha Vida, cortados ainda no governo Dilma) e em troca
passássemos os próximos 10 ou 20 anos gastando menos? Pois é exatamente disso
que o governo quer lhe convencer.
1) De onde surgiu esse papo de
congelar os gastos?
Sem topar ceder o comando da economia a Meirelles, Dilma
peregrinou o mercado em busca de um nome que atendesse suas principais
demandas: dividir com ela o comando da economia e ter bom trânsito com o
sistema financeiro. Seu primeiro nome, Luís Carlos Trabuco, presidente do
Bradesco, não topou, mas enviou um de seus melhores executivos para a tarefa:
Joaquim Levy.
Muito antes de se tornar presidente de uma das empresas do
Bradesco, Levy marcou presença no bem-sucedido ajuste fiscal do primeiro
mandato do governo Lula. Assim como boa parte da equipe indicada por Lula para
a Fazenda em 2003, Levy não possuía nenhuma proximidade com as ideias petistas.
Para
economistas ligados ao PT, como Maria da Conceição Tavares, a equipe montada
por Lula era composta de débeis mentais.
Com um currículo que lhe garantia experiência e certa
credibilidade, Levy montou seu ajuste fiscal baseado em duas frentes: aumento de impostos e corte de gastos. Com
a recusa do Congresso em aumentar impostos, porém, seu ajuste ficou capenga e
os cortes, como vimos, se limitaram a reduzir investimento e programas sociais.
Tamanha tragédia foi um recado claro para o próximo ministro
da Fazenda a se aventurar no cargo.
Assim que assumiu o posto, pouco mais de 4 meses depois de
Levy ter desistido da tarefa, Meirelles apresentou suas cartas, ameaçou um
aumento de impostos e fez o Congresso topar uma estratégia de longo prazo.
2) Como
essa PEC resolveria o nosso problema na prática?
Pouco mais de cinco anos de políticas voltadas para
incentivar o setor produtivo deixaram sua conta. Entre 2010 e 2015, o governo
federal foi responsável por despejar mais de R$ 450 bilhões em aportes para que
bancos públicos realizassem empréstimos com juros menores do que a inflação
para grandes e médias empresas. Na outra ponta, R$ 458 bilhões deixaram de ser
arrecadados com as chamadas desonerações fiscais. Em outras palavras: o governo
topou aumentar os gastos e diminuir a receita, na expectativa de que o
crescimento da economia fizesse a conta fechar.
No final desta brincadeira, a dívida pública cresceu
inacreditáveis R$ 2 trilhões, mais do que dobrando. Apenas entre 2013 e o
início de 2016, a dívida saltou pouco mais de 15 pontos do PIB, ou aproximadamente
R$ 1 trilhão. Impedir que isso continue é um dos objetivos da PEC.
Para fechar a conta é necessário cortar gastos, mas uma regra do nosso
orçamento torna essa tarefa quase impossível: quase R$ 2 em cada R$ 3 gastos
pelo governo não podem ser mudados, pois obedecem a limites mínimos
estabelecidos na Constituição ou leis que impedem que sejam reajustados abaixo,
por exemplo, da inflação.
Para fugir dessa regra, a PEC propõe que os valores sejam
preservados como estão hoje (ou sofram algum aumento no início e então sejam
congelados, como os gastos em saúde e educação). Em outras palavras, a ideia é
que nós possamos trocar os cortes de gastos que precisaríamos por um
congelamento e usar a arrecadação extra para cobrir a diferença.
3) O congelamento de gastos também atingirá o salário dos políticos e do
Judiciário?
16,4% do orçamento brasileiro é gasto com os 45% mais
pobres.
83,6% do orçamento brasileiro é gasto com os 55% mais ricos.
Sim, você não leu errado. Pegue todo o gasto em saúde e
educação destinado à metade mais pobre da população, some com os gastos do
Bolsa Família e, no final, o número que você chegará é exatamente este: 16,4%.
A conta é do economista Marcos Lisboa
Poucos temas são tão delicados quando falamos em congelar
gastos quanto as áreas de proteção social. Para boa parte das pessoas, o
governo existe essencialmente para proteger a camada mais pobre da população e
é para ela que se destinam os programas sociais e os gastos com saúde e
educação.
Na prática, porém, o orçamento público serve hoje a outros
interesses. Como demonstra o economista Paes de Barros, nossa previdência
privilegia a camada de cima. Se aposentar antes dos 65 anos é um luxo ao qual
metade dos trabalhadores brasileiros não possui acesso, uma vez que, estando na
informalidade, não conseguem aposentar-se por tempo de contribuição e muito
menos receber mais do que um mísero salário mínimo.
Some os gastos com saúde e educação para os mais pobres, e o
número que você encontrará não cobre sequer o gasto do governo com o
funcionalismo público. Como mostrou uma
pesquisa do IPEA, quase 1/3 da desigualdade do país tem origem nos salários e
aposentadorias dos funcionários públicos. Não é por acaso.
Em outro estudo, o IPEA, que é um órgão público, revela que
nos últimos 15 anos, o salário dos funcionários públicos cresceu nada menos do
que 3 vezes acima do salário médio de trabalhadores da iniciativa privada.
Some desonerações para grandes empresários, subsídio para
grandes fazendeiros e aquela mãozinha extra ao exportador e você descobrirá
onde foi parar boa parte dos 83,6%
restantes do orçamento: para os mais ricos.
E não pense que o Congresso e o Judiciário mais caros do
planeta também não entram na conta.
Todos eles, com a
aprovação da PEC, passam a fazer parte do congelamento. Este é também o motivo
pelo qual Ministério Público é contra a PEC. Para o MP, o governo pode congelar
apenas os gastos do Executivo, não do Judiciário.
Pelo novo regime fiscal, a concessão de aumentos acima da
inflação não poderia ser aprovada sem que violasse a lei, uma vez que não é
permitido um aumento de gastos totais acima da inflação. Para que os políticos
ou o Judiciário aprovassem um aumento para si, teriam de diminuir recursos de
outras áreas, tornando muito mais difícil aprovar aumentos.
Em outra palavras –
com a aprovação da PEC, o dinheiro deixa de ser infinito.
E aqui, é importante ressaltar por que essa é uma PEC. A
revisão anual do salário do funcionalismo é exigência da Constituição. Se fosse
lei, não funcionaria.
4) O governo irá investir menos em saúde e educação?
Apesar de responderem por menos de R$ 1 em cada R$ 5 gastos
pelo governo, os gastos em educação e saúde tomaram conta da pauta. Motivo pra
isso não falta. Ambos são a parte mais visível dos serviços entregues à
população pelo setor público e, para muitos, a mais importante função de
qualquer governo.
Ainda assim, as coisas por aqui
não são tão simples como parecem. Há exceções da lei. Alguns tipos de despesa
não se sujeitarão ao teto. Entre elas, o
FUNDEB, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica. Para efeito
de comparação, o fundo tem um orçamento previsto em 2016 de R$ 138 bilhões, ou
quase 35% a mais do que todo o gasto do Ministério da Educação. Nada disso
seria alterado.
Dentre os R$ 389 bilhões, ou 6,6% do PIB brasileiro gastos
em educação no ano de 2015 (percentual que supera o de países como Islândia,
Suécia e nova Zelândia), apenas 21,81% disso foi gasto pelo governo federal.
Todos os quase 80% restantes, portanto, não entrariam na conta do congelamento,
pois
são de responsabilidade de estados e municípios, que não serão afetados pelo
teto.
Ainda assim, o gasto federal em educação não necessariamente
ficará congelado como está hoje. Graças a uma nova regra, o valor de 2017 será
calculado com base no que for empenhado e não naquilo que for efetivamente
gasto em 2016. Com esta pequena mudança, o orçamento para 2017, será maior do
que em 2016, e depois disso será mantido igual, com reajuste pela inflação. Na
prática, no entanto, o que mais importa aqui é que, com a PEC, os cortes na
área feitos em 2015 e 2016 se tornam proibidos.
Ainda assim, se o Congresso quiser, poderá ampliar o gasto
com educação do país, desde que aponte de onde dos 80% do orçamento que não
dizem respeito à saúde ou educação o valor sairá.
O mesmo ocorre com a saúde, área na qual o governo federal é
responsável direto também por apenas uma fração daquilo que é aplicado no país,
uma vez que boa parte dos gastos na área são privados (56% do total), ou de
responsabilidade de estados e municípios (cerca de 25,5% do gasto total).
Dos 19% dos gastos em saúde que cabem ao governo federal, a
PEC acarretará de fato numa perda. Determinar quanto será perdido, porém, é
quase impossível.
Para o Conselho Nacional de Secretários de Saúde, a nova
regra implicaria em R$ 31 bilhões a menos para a saúde em 2026, pouco menos de
5% do total que o país investirá neste ano.
Infelizmente, não é possível estimar como ficam os cálculos
com base na mudança das regras para a área, que antecipam a medida que eleva os
gastos em saúde de 13,7% para 15% do PIB. Com essa regra, em 2017 a área de
saúde passa a ganhar R$ 10 bilhões a mais já em 2017, bem acima do prejuízo de
R$ 2,5 bilhões estimados no estudo.
Em nenhum dos estudos que apontam reduções, no entanto, a
capacidade do governo de gastar estes recursos é considerada. Em todos os
casos, os estudos consideram que o governo sempre terá dinheiro para gastar com
essas áreas, ainda que a dívida chegue a 100% do PIB, como deve ocorrer em 2024
caso a trajetória atual se mantenha.
Como os governos estaduais e os atrasos de salário deixam
bastante claro, no entanto, a possibilidade do dinheiro simplesmente acabar e o
governo não poder gastar nada no setor é real.
Ambos os setores ainda serão inteiramente afetados pelas
mudanças demográficas pelas quais o Brasil passará. Na área de educação, por
exemplo, o país deixará de contar com 51 milhões para ter 42,5 milhões de
jovens em idade escolar, o que fará com que o valor per capita destinado aos
alunos aumente consideravelmente. Na parte da saúde, porém, este é um grande
problema. Nossa população irá envelhecer e os gastos permanecerão os mesmos de
hoje.
Saúde e educação, no entanto, não serão congelados. Caberá
ao Congresso definir o momento e de que forma estes gastos poderão ser
aumentamos acima do mínimo. Para fazer isso, nossos políticos devem apontar de
que outro lugar do orçamento sairão os recursos.
5) Com a PEC 241, o governo irá pagar mais juros da dívida?
Se o principal objetivo do novo regime fiscal é limitar o
gasto público e gerar um excedente que controle a dívida pública, não é muito
difícil imaginar que estes recursos excedentes irão para o pagamento de juros
da dívida não é?
Em princípio, a resposta é sim, mas isso não significa que o
governo irá pagar mais juros, mas menos. Explico.
Essencialmente, existem duas maneiras do governo pagar os
juros da dívida e conseguir diminuí-la. Na primeira, que é o que fazemos hoje,
emitimos uma dívida nova e pagamos a antiga, gerando com isso uma bola de neve
– afinal, nunca diminuímos a quantidade de dívida efetiva, o que faz com que os
juros cobrados pelos emprestadores seja cada vez maior. No segundo cenário,
criamos um esforço para reduzir a dívida, chamado de superávit primário.
Neste quesito, ninguém fez mais do que Lula e Palocci. Nenhum governo
na história economizou tanto para pagar juros da dívida. E o resultado obtido
foi justamente uma queda na dívida, e consequentemente nos juros.
Com a expectativa de que a dívida entre em controle, os
juros pagos ao final de dez anos serão menores, uma vez que a dívida será
menor. Sem a PEC, a expectativa é de que o Brasil pague R$ 1,7 trilhões em
juros da dívida em 2026. Caso a PEC seja aprovada, pagaríamos R$ 1,3 trilhão em
juros.
Ou seja, controlando os gastos ao longo da próxima década,
estaremos pagando R$ 400 bilhões a menos em juros.
Como a PEC será revista em dez anos, é possível que o
Congresso redefina para onde irão os valores excedentes gerados e optemos por
utilizar estes valores em saúde e educação, por exemplo, ou continuar reduzindo
a carga tributária.
6) E se a PEC tivesse
sido aplicada em 2003 ou 2011, como seria?
Simulações com base em anos passados têm se tornado bastante
comuns nos últimos dias. Para algumas delas, caso a PEC tivesse sido aplicada
em 2003 ou 2011, teríamos colocado algumas centenas de bilhões de reais a menos
em educação e saúde, ou estaríamos com um orçamento razoavelmente menor do que
hoje.
Propor um exercício assim pode ser uma forma interessante de
analisar a situação, mas é preciso cautela. Primeiro, é necessário lembrar que
nem saúde nem educação são majoritariamente obrigações do governo federal. E em
seguida, é importante ressaltar que o objetivo da lei não pode ser medido no
passado – ou seja, não é possível saber como se comportaria a taxa de juros, a
dívida pública, os investimentos, a confiança do investidor e do consumidor, e
assim por diante.
Esta PEC é uma forma gradual de se fazer um ajuste fiscal.
Aplicá-la em um momento onde a receita crescia e não havia necessidade de
congelar gastos para fazer ajuste torna nulo seu objetivo.
Ainda assim, a PEC poderia servir para mostrar que enquanto
sociedade poderíamos ter optado por escolhas mais inteligentes de como gastar
nosso dinheiro nos últimos anos. Poderíamos ter alocado mais recursos em
saneamento, que geram economia em saúde, em vez de concedermos aumentos ao
fundo partidário, por exemplo, que teve alta superior a 200%.
Como medir os efeitos de uma carga tributária menor na sociedade?
Nenhum destes estudos se preocupa com esta questão.
Atualmente, o setor privado é responsável por poupar cerca
de 18,2% do PIB, enquanto o setor público poupa -2%. Reduzir a carga teria
aumentado a poupança privada? Tudo indica que sim. E quais os efeitos práticos
de uma alta na poupança? A resposta é tão simples quanto parece: maior geração
de emprego e renda.
Tais efeitos são sempre desconsiderados nestes estudos, mas
são cruciais para apontarmos quanto deixou de ir para cada área, uma vez que os
novos investimentos possibilitados pela arrecadação menor em nível federal
gerariam maior arrecadação em nível de estados e municípios, o que elevaria os
gastos obrigatórios destes entes federados em saúde e educação.
Caso estivesse em vigor desde 2011, a lei poderia ainda ter um
resultado inusitado: impedir que os funcionários públicos tivessem perdas
salariais no governo Dilma.
E o motivo disso é bastante claro. Desde este ano, a média
de aumentos salariais concedidos pelo governo ficou em 5,5%. Em nenhum ano,
porém, a inflação ficou abaixo de 6%. O que é o mesmo que dizer que a cada ano
do governo Dilma o funcionalismo ficou um pouco mais pobre.
7) Por que propor uma mesma regra por um prazo de 20 anos não faz
sentido?
Imaginar o Brasil em um horizonte de duas décadas não é uma
tarefa fácil. Nossa pirâmide demográfica terá mudado completamente. Seremos um
país com mais idosos e menos jovens. Teremos mais gastos com a previdência e
menos gastos com escolas. Teremos enfim, outras prioridades.
Ainda assim, a PEC como está posta hoje nos trata da mesma
maneira. Para a lei, somos irresponsáveis que precisam de um controle presente
– e precisaremos desse controle dentro de 20 anos. Não é absurdo supor que
demandaremos controles e devemos prezar por boas práticas. O tipo de controle é
o que deve ser revisto.
Como mostra o economista Raul Veloso, mantida a tendência de
economia de recursos por 20 anos, em 2036 estaremos poupando quase 6,5% do PIB,
ou duas vezes o resultado mais positivo em toda a história das contas públicas
brasileiras.
Se, para mantermos a dívida estável com um crescimento de
2,5%, é necessário pouparmos 2% do PIB, por que então devemos permitir uma
economia de 6,5%?
Em pontos como este, a lei se mostra falha, uma vez que
busca prever um horizonte quase impossível de ser previsto e antecipado.
Definir a forma como o controle se dará no longo prazo é uma
discussão que caberá ao Congresso após passados os dez primeiros anos, quando a
PEC puder ser revista. A PEC, no entanto, não irá figurar solta no ar: irá se
correlacionar com questões não passíveis de previsão, como a macroeconomia
mundial. É possível que o pais opte por utilizar este excedente gerado pela lei
para escapar de uma turbulência, assim como pode-se optar por manter o congelamento
por mais tempo, uma vez que a redução da carga tributária tenha efeitos
positivos sobre juros e poupança e colabore para o crescimento da economia. Em
todos os casos, a PEC abre a possibilidade de o país discutir cenários mais
confortáveis, algo que hoje, em meio à crise, não podemos nos dar ao luxo.
8) Quais países do mundo aplicam medida semelhante?
O rigor da lei, à primeira vista, assusta. Afinal, estamos
falando de uma lei do mesmo nível da Lei de Responsabilidade Fiscal ou do Plano
Real – algo que irá impactar e definir os rumos do país por mais de duas
décadas.
Um olhar ao redor do mundo, porém, ajuda a entender o que
pode ocorrer com o Brasil nos próximos anos.
No caso mais emblemático, o da Suécia, não é difícil
perceber que, em relação ao PIB, a carga tributária deve cair. Depois de
aprovada sua lei de teto de gastos, a Suécia tornou-se o país do mundo com
carga tributária em maior queda livre. Se considerarmos nossos gastos não pagos
pelos impostos (nosso déficit, portanto), nossa carga tributária hoje deveria
ser maior do que a sueca para comportar o governo.
Cobramos hoje pouco menos de 33% de impostos e temos um
déficit nominal de 10,2% do PIB. Na Suécia, os gastos públicos estão em 42,8%
contra 50,3% de quando essa lei foi aprovada. Nada disso, porém, comprometeu os
gastos sociais do país.
Este, no entanto, é apenas um exemplo do que pode ocorrer.
Em países como os Estados Unidos é comum que governos estaduais tenham também
leis que limitam a arrecadação. Ou seja: toda vez que a arrecadação crescer
além do limite previsto, o governo passa a devolver impostos à população. Recentemente,
o estado de Washington foi obrigado a realizar essa operação, uma vez que os
impostos obtidos com a venda de maconha legalizada fizeram os impostos
crescerem acima do esperado.
Em outros casos famosos, a Polônia aplicou a lei em 2011, o
Peru em 2000 e a França em 1998.
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Definir se uma lei fiscal é uma boa ideia ou não é algo que
dependerá sempre dos valores e prioridades de cada um. O que é importante
destacar, porém, é que, independente de qual prioridade você queira definir
para o governo, ela só será possível com uma condição: caso existam os recursos necessários para executar tal ação.
Sem dinheiro em caixa, os direitos garantidos pela Constituição não
podem ser atendidos pelo governo e boa parte daquilo que você considera
obrigação do Estado simplesmente deixa de ser realizado.
Há que se destacar, entretanto, que na ocasião da aprovação da Lei de
Responsabilidade Fiscal e no lançamento do Plano Real não faltaram pessoas para
se opor e disseminar a ideia de que ambas as leis levariam o país à falência.
Na prática, a PEC é uma tentativa
gradual de se evitar problemas por uma década.
Grifos são meus
(JORGE, O DA VIRIATO ) – 13/10/2016